quarta-feira, 23 de março de 2011

Medo

E então vem a pergunta: se a religião decide tantos aspectos da própria vida dos fiéis, por que estes não se dão ao trabalho de colocar a cabeça para funcionar e fazer uma escolha muito bem pensada quanto à religião a que vão pertencer? Por que, em vez disso, os dogmas são empurrados goela a baixo como alguém que aperta a roupa em uma mala para que ela se feche? É importante observar que as próprias pessoas acabam engolindo por si próprias os conceitos sem questionar, não são os outros que as forçam a fazer isso. No fim das contas, engole-se muitos absurdos sem notar.

Será que é por causa dos poderes sobrenaturais que as pessoas vêm na própria religião? Mas todas as religiões os apresenta. Curas, milagres, contatos com os mortos, profecias, leituras do passado e do destino. No fim das contas, são sempre ideias sustentadas pela crença cega e só acredita nelas quem quer acreditar. Alguns podem argumentar que é pela experiência religiosa, mas, novamente, todas as religiões as têm. Alguns rezam e sentem a presença de algum deus. Outros fecham os olhos, se concentram e podem sentir o amor ao redor delas. Outros meditam e sentem a energia fluir pelos chacras. O problema é que você sente o que você quiser, basta fechar os olhos e se concentrar. Bem, então deve ser pelos valores morais. Mas como saber se os valores morais são os melhores se os valores das outras são desconhecidos?

É porque a existência de tal deus é inegável, porque a ciência prova tal e tal coisa? Não, pois são poucos os que procuram conhecer tais provas. Sem falar que, com raras exceções, os argumentos científicos e filosóficos usados não são sofisticados, especialmente quando ouvidos por cientistas ou filósofos de verdade. É porque tal livro é uma fonte infinita de sabedoria? Na verdade, é inacreditável a quantidade de textos nestes livros sagrados que são completamente absurdos. Alguns fiéis, entretanto, dizem que tais textos são passíveis de interpretação. Neste caso, os fiéis decidem interpretar os textos para encaixá-los nos seus pensamentos, não o contrário. Não é à toa que muitos pensam que o livro de Nostradamus é profético. É muito fácil explicar porque um texto é profético depois que as profecias se realizaram, o que eu ainda estou para ver é alguém fazendo uma profecia precisa, sem rodeios, sem metáforas complicadas e sem ser óbvia ou que pode ser concluída através de raciocínio lógico, e depois vê-la realmente acontecer. Mas, quanto aos livros sagrados, especialmente a bíblia, o pior mesmo é quando dizem que acreditam em tudo ao pé da letra: ou elas não leram, ou elas mentem.

Seria talvez pelo bem que a religião faz às pessoas? É por elas se sentirem bem indo aos encontros? É por que elas viram a verdade? De novo, todas essas razões não podem ser sustentadas frente ao fato que as pessoas desconhecem outras realidades.

Não. A resposta é uma palavra: medo. Afinal de contas, disseram que nem mesmo Deus afundaria o Titanic, e o Titanic afundou. Adão e Eva desobedeceram uma ordem tola, comeram um fruto, coisa de nada, mas Javé, que não tinha muita paciência, gritou:
- Saiam do paraíso!
A cobra, coitada, até perdeu as pernas e vai ter que rastejar até o fim dos tempos. Por causa de uma coisa banal como um fruto numa árvore.

No tempo da arca de Noé, afogaram-se todos os que não acreditavam em Deus, todos os homens maus. Afogou-se também qualquer homem que tenha perguntado a Noé:
- Mas que raios você está construindo?
- Uma arca. Vai chover, e a chuva vai inundar tudo, todos vão morrer, menos eu e minha família.
- Como assim? Você está doido? Tomou sol na cabeça?

Moisés mandou que fossem mortos sem piedade todos os que adoravam o bezerro que ouro, tudo para poder acalmar a ira divina. Espere um pouco, eu ouvi direito? Ira divina? Será que ninguém presta atenção nestes detalhes decisivos?

Tomé duvidou da ressurreição de Cristo e, até hoje, é visto com maus olhos. Ele é aquele que duvidou, o homem de pouca fé, um bandeirinha. Um cristão que abandona a sua crença é visto pelos outros como mais um Tomé. Fazem cara feia, ignoram, evitam conversa. O mesmo acontece com um não-cristão qualquer que se aproxime de um grupo de cristãos, qualquer um que discorde. Daí vem o medo da rejeição social. Além, é claro, do velho medo da condenação eterna. Mas Tomé foi um herói, ressurreição, que papo é esse, como assim? Só acredito vendo! Deixe de ser ingênuo e acreditar em tudo o que dizem por aí. Nunca ouviu falar em Papai Noel, coelhinho da páscoa?

É claro, isso não somente impede a mudança de opinião, como também impede que membros de um grupo participem de outro grupo, às vezes até mesmo dentro da mesma religião. Um cristão não pode ir a um centro espírita, ou em uma igreja de outra religião cristã, ou às vezes nem mesmo a um grupo de jovens participe de outro. Não se pode procurar saber o que outras filosofias pregam e nem deixar o seu filho conversar com tais e tais pessoas. Afinal, vai que eles acabem convertendo-o para aquela coisa maligna.

Ironicamente, o medo é o oposto da fé. Afinal de contas, se você tem tanta certeza a respeito do que você acredita, que mal faz questionar? Por que o medo de conhecer outras ideias, de se familiarizar com outros grupos? Ainda que eu ande pelos vales das sombras da morte, não temerei mal algum, pois o Senhor está comigo... mas se eu tiver que ir a um terreiro de macumba, eu cago de medo! O medo de enfrentar e conhecer a realidade é o mal que origina todos os outros. É exatamente o contrário da fé.

Fé é um estado de abertura ou confiança. Ter fé é confiar a si mesmo à água. Quando você nada, você não segura a água, porque, se o fizer, se afundará e se afogará. Em vez disso, você se relaxa e flutua. E a atitude de fé é exatamente o contrario de apegar-se à crença, de agarrar. Em outras palavras, uma pessoa que é fanática em matéria de religião e se apega a certas ideias acerca da natureza de Deus e do universo torna-se uma pessoa que não tem absolutamente nenhuma fé. Ao contrário, elas seguram firmes. Mas a atitude de fé é soltar-se e tornar-se aberto à verdade, seja lá o que ela vir a ser.

Os fiéis vão à igreja por obrigação e muitas vezes se forçam a acreditar que aquilo está fazendo bem a eles mesmos. Aquelas duas horas no fim de semana acabam, por isso, tornando-se um fardo maior de que as quarenta horas semanais de trabalho. Alguns vão discordar e dizer que não é tão ruim assim perder umas horinhas por semana e, de fato, não é. O fardo não é o tempo perdido, ou o discurso que você tem que ouvir, mas ser arrastado a fazer uma coisa na qual você não vê sentido algum. É a dependência.

terça-feira, 22 de março de 2011

Futebol e religião

Os torcedores andam com uniformes, chaveiros e canecas do time amado, exibindo fanatismo cego. Cego frente a todos os erros que os jogadores cometem, nunca o desacreditar que o seu time é o melhor. Os jogadores e técnicos dos outros times são demônios, mas, se de repente o seu time contrata algum deles, este, na hora, vira um santo. Não se questiona as intenções deste jogador, ninguém o critica por ter abandonado seu antigo time. Nem a falta de julgamento, se houve alguma, nem a quantidade de faltas que ele comete ou a brutalidade com que ele joga. Ele é aceito no time desde que jogue por ele. Perfeito, inigualável, invencível, este é o time para o torcedor. Não importa quantos defeitos ele tenha, ou quais jogos ele perdeu. A taça conquistada vale mais que as mil taças perdidas. Isso contradiz, mas não para o fanático, a qualidade de invencibilidade. Não é socialmente permitido para o torcedor de um time sentar-se ao lado da torcida do outro time. É um pecado admitir qualidades no adversário, comemorar os gols feitos, os belos lances, os dribles dos craques. Mudar de time então? Bandeirinha! Não, não pode mudar de time.

Engraçado é pensar que todos os times são compostos por jogadores de outros times.

Lendo o texto acima, eu me pergunto se estou falando de futebol ou de religião. E você, caro leitor, caso seja religioso, ao ler este parágrafo, provavelmente leva um susto e entra na defensiva, sentindo a necessidade de argumentar, por exemplo, que torcer para um time não é de todo ruim se você souber respeitar, é apenas um jogo. De fato, isso, no futebol, não é tão ruim, não vale a pena discutir. Porém, é justo dizer que a escolha da religião é a decisão mais importante que uma pessoa pode fazer, pois, ao contrário do que se costuma acreditar, ela não decide apenas o que você fará nos finais de semana. Crenças, valores, ideias, moral, virtude, humanidade, são infindáveis as características que uma religião define em seus fiéis. A mais perturbadora dessas características, entretanto, é o controle.

Sim, as igrejas controlam a forma de pensar das pessoas, as opiniões que elas terão sobre valores morais, os amigos que elas farão, as decisões que elas tomarão na vida, o voto, o emprego. É preocupante ver como as pessoas entregam de forma tão fácil a própria liberdade de expressão, de escolha e principalmente de raciocínio. Os fiéis, ao se ajoelhar, absorvem a doutrina sem questionar, não se pode questionar o próprio time. É a tão chamada fé.

Tamanha é liberdade que as pessoas abandonam que elas passam a criticar tudo o que se opõe à crença. Não importa se os argumentos utilizados são insatisfatórios ou não têm coesão ou lógica. Qualquer ideia defendida por alguém, por mais que ridícula, é imediatamente aceita desde que suporte a doutrina. Várias dessas ideias são frequentemente contraditórias, e isto é visto pelos outros, de outras religiões, mas não por eles. Se, por outro lado, alguém apresentar uma crítica, por mais clara e verdadeira que seja, esta é atacada sem piedade, e o pior, sem raciocínio lógico. Até mesmo quando uma afirmação contrária têm montes de evidências a favor dela, basta uma pseudoevidência, uma desculpa para derrubá-la e colocá-la no esquecimento. Então o que se vê é um jogo onde todo mundo aponta os absurdos defendidos pelos outros, às vezes mesmo quando estes não são absurdos, mas poucos param para escutar. É por isso que as pessoas não gostam de discutir religião: não há como, não tem acordo. Falar de times de futebol não é um problema quando se leva na brincadeira, mas religião é uma decisão muito mais importante. Ironicamente, não levar sua própria religião a sério é uma decisão muito sábia, assim como não levar futebol a sério: o respeito por torcedores de outros times aumenta e o futebol deixa ser um jogo de vale-tudo.

Sabemos que sua escolha do propósito de sua vida é fundamental, que ela vai determinar cada decisão, cada passo. Entretanto, curiosamente, a importância dada a esta escolha pela maior parte das pessoas é mínima. Frequentemente, a crença, os costumes e os valores morais de cada pessoa são simplesmente aqueles herdados pelos pais. Muitas vezes, são os amigos que o carregam numa conversão. Poucos se colocam para pensar, refletir: será que o que eu acredito é realmente verdade? Muitos “encontram” a verdade, mas poucos a procuram e o desgosto pela pesquisa é a fonte do pecado. Como alguém pode afirmar que encontrou a verdade se nem sequer se deu ao trabalho de procurá-la?

Uma maioria gigantesca não conhece valores e boas qualidades de outras religiões, apenas seus defeitos. Osama Bin-Laden, Al-Qaeda, homens-bomba, padres e bispos pedófilos, pastores gananciosos que exigem dinheiro dos fiéis e prometem milagres em troca, macumbeiros e devotos de Iemanjá que jogam lixo na praia são todos muito bem conhecidos. Mas quantos cristãos conhecem Mahatma Gandhi e Sidarta Gautama, o Buda? Quantos conhecem as doutrinas e qualidades de outras crenças? Ou ainda, quantos se dispõem a conversar com os membros de outras doutrinas? Veja, o cristianismo está completamente divido por dentro, não há acordo nem mesmo entre cristãos, quanto mais entre cristãos e não-cristãos. Não falta o orgulho para falar mal dos outros (e o pior, a respeito de coisas que não fazem a menor diferença!), mas falta a humildade para reconhecer os próprios erros, procurar as virtudes dos “inimigos” e imitá-las. Condena-se demais, e repito: condena-se por detalhes completamente irrelevantes, e os mais condenados no meio desta bagunça são a tolerância, o diálogo e o respeito. Nem mesmo os cristãos conhecem Jesus Cristo; caso contrário, deixariam de ser fariseus e de julgar os espíritas, os homossexuais, as mulheres que optam pelo aborto, os perversos.

Isso tudo é só a ponta do iceberg. É por isso que, em matéria de religião, escolhi ser o Bandeirinha, não tenho time. Tenho, sim, respeito pelos times e procuro sempre ser o último a mostrar qualquer tipo de desrespeito, mesmo que, do ponto de vista de onde eu me ponho, o número de faltas é muito grande, há muita selvageria. Mas eu tenho a minha opinião, eu levanto a bandeira para que ela fique à vista das pessoas que querem ver. Mesmo que isso pareça não fazer efeito algum, porque eu tenho esperança de que, pouco a pouco, as coisas podem tomar um rumo diferente. E, enquanto isso, eu ergo a minha bandeira.
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