terça-feira, 14 de junho de 2011

Credulidade

Se, por um lado, religiosos não costumam aceitar pontos de vista diferentes do que a sua religião prega, por outro, o ponto de vista da própria religião não é questionado. Quando um líder religioso abre a boca, não há discussão, discordância, argumentação, ainda que fatos controversos e até absurdos sejam apresentados. Se alguém pensa diferente, esse pensamento é engolido. Às vezes este é colocado em forma de dúvida, mas nem sempre a dúvida é esclarecida, pois evita-se confronto e questionamento. Se alguém levanta a voz, o clima é de desprezo e repreensão, não pelo conteúdo do que é dito, mas pela atitude. Não que isso seja incomum na sociedade, mesmo em outros meios, como, por exemplo, nas escolas ou em família: é uma forma de agir enraizada na cultura. Entretanto, não há repreensão à atitude de se criticar o que é ensinado na escola em outros ambientes, mas, estranhamente, as religiões foram colocadas socialmente num patamar acima de críticas.

Outra peculiaridade da religião é que as afirmações são feitas de forma desonesta e covarde. Por exemplo, alguém poderia afirmar que uma árvore é mágica e, por causa disso, ela é capaz de andar, falar e ouvir e que, se você for até ela e pedir que ela compre uma bicicleta para você, ela o faz; uma árvore ambulante que faz favores. Mas esse tipo de afirmação não é feito pelos religiosos, pois, se fosse, quem acreditaria? E, se acreditassem, na hora de fazer um pedido, veriam que é mentira. Entretanto, se alguém afirma que esta árvora, durante a lua cheia, realiza pedidos; ela não sairia do lugar, continuaria sendo uma árvore imóvel, mas o seu pedido seria magicamente realizado. Isso sim é acreditável. Como você poderia verificar que essa afirmação é falsa? É possível, mas é bem difícil: se o seu desejo não foi realizado, inventa-se uma desculpa do tipo “você não teve fé o bastante” ou “o seu desejo ainda será realizado”. Entretanto, se um desejo acontece, então a mágica da árvore fica demonstrada aos olhos dos que são nela crentes, embora a árvore pode simplesmente não ter tido nada a ver com isso.

Considere, por exemplo, a crença de se jogar uma moeda numa fonte e fazer um pedido. As pessoas não se importam se isso fará o desejo realizar-se ou não, tudo o que importa para elas é o direito de acreditar que sim. Ou seja, elas preferem ficarem enganadas a serem esclarecidas, porque isso ainda lhes dá uma falsa esperança, uma ilusão. Essa é a origem da credulidade: o desejo de acreditar. E esse também é o motivo pelo qual se critica a crítica, não o seu conteúdo, mas a mera atitude de criticar. Por exemplo, se um grupo de pessoas está jogando moedas numa fonte e aparece um cético entre eles comentando que fazer pedidos para uma fonte não funciona, este é taxado de chato. Por qual motivo? Porque ele acabou com a crença, não porque ele está errado.

O desejo de acreditar, entretanto, não se transforma em uma crença real. A maior prova disso é que evidências não são capazes de destruí-lo. Não importa quantas evidências aparecerem de que uma fonte não realiza desejos, moedas continuarão a serem jogadas na fonte.

Bem, a esta altura, a objeção do leitor, obviamente, é que acreditar numa fonte e perder umas moedas não faz mal, faz? De fato, não faz. Porém, quando a crença em questão faz com que grupos de pessoas virem-se uns contra os outros, façam pressão sobre políticos e cidadãos comuns para que eles participem da mesma crença e realizem os desejos por ela motivados, tornem-se um obstáculo à ciência e à mudança e quando esta credulidade faz com que as pessoas tenham a ilusão de que estão ajudando quando não estão, ou pior, quando isso faz com que elas atrapalhem aqueles que realmente estão tentando ajudar... Bem, neste caso, não se pode mais caracterizar essa credulidade como sem consequências.

O maior instrumento na manutenção da credulidade é a ilusão que a religião dá aos fiéis de que crer sem questionar é uma virtude denominada fé que está acima de qualidades realmente benéficas como bondade. Infelizmente, isto acaba com a curiosidade e o ceticismo, que são fundamentais no aprendizado, na exploração e no desenvolvimento de qualquer área do conhecimento humano. A afirmação que a fé não é somente acreditar mas que acreditar sem questionar faz parte da fé não melhora em nada o problema, apenas torna ainda mais convincente a falsa noção que credulidade é uma virtude.

A crença em oração ou outro tipo miraculoso de cura é capaz de evitar que o doente procure ajuda real e de criar uma expectativa que se transforma em frustração. Um exemplo é dado no documentário Miracles for Sale do ilusionista Derren Brown.

Outro exemplo: muitos monastérios e conventos estão cheios de pessoas que se dedicam o dia todo, a vida toda em rezar. Agora, qual o benefício real que é trazido por isso? Por que, ao invés de rezar o tempo inteiro, essas pessoas não dedicam a vida a ajudar quem precisa? Alguém poderia dizer que o benefício é mágico, invisível, e que a humanidade só não se destruiu ainda porque tais pessoas existem: aí está um exemplo clássico de afirmação infalsificável que é feita com o único propósito de obter o direito de continuar acreditando, satisfazendo o desejo de acreditar, mas sem que haja uma crença real na afirmação. Afinal de contas, que tipo de divindade é essa que requer que as pessoas fiquem falando para ele: salve o mundo, salve o mundo, para que ele se incomode e salve o mundo? Este deus por acaso não sabe que o mundo precisa ser salvo, ou será que ele está de birra com o homem de forma que é preciso insistir? E que tipo de oração é essa que alguém faz negando-se a agir de forma concreta? Não seria o próprio trabalho uma forma muito melhor de demonstrar a Deus ou a quem quer que seja o quão dedicado você está a resolver um problema?

Minha intenção não é ofender ninguém, criticar não é o mesmo que ofender. O que me incomoda é a boa vontade que é direcionada para o lado errado simplesmente para satisfazer a neurose de alguns em acreditar que o mundo precisa de algo que, na verdade, não precisa. Sem falar em como estas pessoas estão sendo iludidas de que estão fazendo algo de bom para o mundo. Não tenho intenção ser uma barreira à liberdade de escolha de cada um, pelo contrário, quero que todos tenham conhecimento a respeito das escolhas que fazem para que a escolha seja realmente livre. Todos têm o direito de fazer críticas, sejam críticas certas ou erradas, desde que respeitosas e desde que saibam colocar limites, pois criticas são não apenas úteis mas também necessárias. Quem não recebe críticas faz o que quer, não o que precisa. E se nós não batermos o pé e formos contra os conceitos mais básicos e fundamentais da sociedade a fim de que eles sejam repensados, então quem fará isto por nós?


Tem um pequeno detalhe a respeito da realidade que os crentes não dão suficiente importância: o desejo de que algo seja real não o torna real, não há nenhum benefício neste desejo. Não é acreditar que a fonte realize desejos que vai fazer com que a fonte, de fato, realize desejos. Por mais que você queira que uma pedra se mova, ela não se moverá até que você decida pegá-la e tirá-la do seu lugar. Da mesma forma, deixar de acreditar em um fato não o torna irreal, então não há mal algum no ceticismo, ao contrário do que diz a propaganda. Se Deus existe, desacreditar na sua existência não o fará desaparecer. Por que ele se ofenderia com a descrença? Ele não deveria estar acima dessas vaidades humanas? Jesus que me perdoe, mas esta fé, mero eufemismo para credulidade, não é capaz de mover montanha alguma.

Um comentário:

  1. se não acredita em jesus como ser divino porq pedir perdão? ja sei, vc se refere ao jesus histórico? ué mais qdo morremos tudo se acaba né verdade?então se ele já morreu ou melhor talvez nem tenha existido, porq se expressa-lo dessa maneira? tres hipoteses:
    1 vc acreditada de alguma maneira q ele exista seja divino( o q eu acho dificil) ou humano a uma certa admiração se nao daria tanta importancia a essa questão.2 vc acha q o grande mal da humanidade é a religião, vc deve ter se machcado com ela,mas não com a figura divina.
    concluindo: vc acredita em algum ser superior, e admira a figura de jeus!embora não concorde com o que os ouros escreveram sobre ele, afinal ele nunca escreveu nada..assim como Confusio né?

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