sábado, 16 de julho de 2011

Medo de religião



Cuidado!”, dizem eles, “o que eles fazem lá é perigoso, é coisa do diabo, eles vão te seduzir aos poucos, o que eles ensinam leva você ao inferno...” Ao invés de ter curiosidade a respeito do ponto de vista alheio, a religião ensina o medo da exploração. A consequência disso é a incapacidade de enxergar os problemas da sua própria religião. Se as pessoas não tivessem o medo de conhecer, perceberiam que muito do que elas foram ensinadas não faz sentido algum. Muitas vezes, na visão de um religioso, uma determinada ideia que a religião dele ensina é “linda”, mas outra ideia equivalente em essência que é ensinada por outra religião é completamente absurda.

A religião evoluiu de forma a criar o medo da exploração através dos tempos porque percebeu que a curiosidade leva os crentes a abandonarem-na. O mecanismo de defesa utilizado por ela é estabelecer uma mentalidade “nós versus eles”: a nossa religião é a certa, a religião deles é errada, não importa o que eles dizem, não importa o que aconteça. As justificativas variam, mas a essência é a mesma: categorizar tudo o que é contra a sua religião como um bloco gigante e monocromático, o que vale para um deles, vale para todos, os absurdos que um diz e as atrocidades que outro comete, todos eles têm. O propósito do bloco gigante não poderia ser outro que não destruir a religião, mas apenas aquela religião, a “correta”.

Apesar das televisões serem coloridas há mais de meio século, muitos ainda veem o mundo em preto-e-branco.

Quando eu ainda estava no ensino fundamental, li uma história em que uma pessoa contou uma versão indígena da criação do mundo. Os outros alunos da história, é claro, riram “porque a história era ridícula” e se me lembro bem até os meus colegas de classe riram, mas eu parei e pensei: a estória de Adão e Eva é igualmente ridícula. Enquanto na versão indígena os homens foram criados a partir do mel, na versão bíblica, eles foram criados a partir do barro. Aliás, prefiro a primeira versão: que o homem teria vindo do doce mel, talvez para explicar porque somos muitas vezes tão obcecados em fazer o bem e em adocicar a vida dos outros, como nenhum outro animal do nosso planeta que eu tenha conhecimento.
Muitos cristãos acham absurda a ideia de Deus proibir trabalho aos sábados que judeus e algumas denominações cristãs acreditam (apesar disso estar escrito na bíblia deles também - mas, é claro, isso é ignorado junto com todas as ideias perversas e sanguinárias existentes na bíblia), mas eles mesmos não comem carne na sexta-feira santa, fazem penitência por 40 dias antes da páscoa, comem um pedaço de pão ázimo toda semana, e tudo isso simplesmente porque... são ordens divinas! E estas ordens nem sequer estão na bíblia! (Note que a santa ceia relatada nos evangelhos é muito diferente da “comunhão”).

Vi a poucos dias um pedaço do filme Alexandria em que cristãos do final do século IV zombavam dos egípcios porque as estátuas de seus deuses não falavam. E o deus dos cristãos, por acaso fala? Já vi católicos criticarem não católicos por zombarem das imagens de santos e vi estes mesmos católicos zombarem da igreja destes não católicos por não terem imagens! Ou seja, criticam e, ao invés de fazer diferente, imitam! Ouvi um católico contando que um espírita explicou o comportamento de alguém dizendo “isso veio das encarnações passadas dele” e o católico respondeu: “Ah, cala a boca, vai!” Fiquei completamente abismado, não sabia o que responder. Da próxima vez que esse católico vier me explicar alguma coisa dizendo que foi o milagre de santo, eu vou mandar ele calar a boca também! Ou melhor, não vou dizer, recuso-me a imitar este comportamento desprezível.

Mas é claro que só a explicação que menciona reencarnações passadas é que é absurda. Será? Tem certeza? Se eu for até um centro espírita e perguntar o que eles acham da ideia de que santos fazem milagres, será que eles vão confirmar essa ideia? Ou então numa igreja protestante, o que eles vão responder?

É o sujo falando do mau lavado.

Já vi pessoas de alguns grupos religiosos perguntando umas às outras: “será que tem outro grupo como o nosso?” Fato: sim, tem um em cada esquina, eles não acreditam nas mesmas coisas, mas em essência são muito parecidos. Tem um grupo em cada esquina afirmando “Nós somos únicos, não somos como os outros, somos 'especiais', sabemos a 'verdade' que os outros não sabem, entendemos o que os outros não conseguem entender.” Têm mania de perseguição, estão todos contra eles e as críticas feitas a eles nunca são verdades, são apenas provações para testar a firmeza da fé deles. Alguns grupos são bem menos radicais que os outros e não possuem todas essas características perniciosas, mas infelizmente não se pode dizer isso de muitos deles.



Apesar que muitos filósofos utópicos adoram afirmar que “todas as religiões estão certas”, isso é obviamente errado. As religiões estão todas erradas. Sim, todos estamos errados, somos todos baratas tontas procurando a verdade, de uma forma ou de outra. Infelizmente as religiões deliberadamente escolhem não parar para questionar e usar a razão a respeito do que elas acreditam (a razão é apenas para desbancar as outras religiões, nunca a sua), e isso as torna extremamente enganadas, não em uma coisa ou outra, nem em questões que elas decidem parar para pensar, mas em tudo, da raiz às folhas. O problema está na base: se a base não é sólida, a casa cai. É como Jesus disse: uma casa sobre a areia é derrubada pelo vento. Como as religiões estão completamente erradas nas suas premissas mais essenciais, e principalmente porque elas se recusam a parar para questionar, elas apodrecem por inteiro.

Agora, se as religiões são podres, qual o motivo para conhecê-las? Aí está um fato que muitos ateus geralmente negligenciam: acontece que as religiões estão podres em sua casca, mas o miolo é bom. Isso não quer dizer que religiosos radicais estão certos: não, os fundamentalistas são os piores. Entretanto, procurando, é possível achar um grupo aqui e outro acolá que, apesar de muitas vezes não serem racionais em tudo, têm ideias inteligentes, bem pensadas. Não porque eles seguem a religião às cegas, mas porque eles param para pensar ao invés de acreditar mecanicamente.

Algumas histórias (ou estórias) sobre as quais as religiões se formaram também podem ser interessantes e influenciarem a reflexão. É o caso dos profetas: de Cristo, de Buda e de Gandhi. As histórias, todas elas, tem partes boas e partes ruins, é preciso separar cuidadosamente o que você concorda ou não (mas tem que ter a consciência de que esta é a sua opinião, e não a verdade absoluta que rege o universo). Ao contrário de muitos que têm medo da própria religião por receio de ser tornarem fundamentalistas, eu não tenho medo de aprender ou de discutir a respeito deles. Só um aviso: isso não quer dizer que eu tenha paciência para sair experimentando os encontros das igrejas: eu escolho aprender apenas sobre o que me interessa e ouvir a opinião apenas daqueles que eu quiser ouvir.

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