quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Um homem que era mulher


Um rapaz decidiu um certo dia entrar para um time de futebol. Durante o exame médico, uma surpresa: o que nele aparentava ser um pênis não era um pênis, mas um caso raro de pseudo-pênis causado possivelmente por um enlongamento labial. Era uma pele. Ele era uma mulher, nascera menina e não sabia disso até então.

Desde criança, ele sentia-se diferente dos outros meninos, pensava diferente, comportava-se como uma menina, gostava de brincar de boneca, era vaidoso, queria usar esmaltes, brincos, maquiagem, mas não lhe era permitido, porque essas coisas são de menina, e ele era um menino, vestiam-no como menino, mandavam-no ao banheiro masculino, na educação física ele ficava com os outros meninos, davam-lhe carrinhos e bonés. Ele tinha uma personalidade feminina reprimida. Conforme crescia, não sentia atração pelas moças, ao contrário dos seus amigos. Não, em vez disso, tinha poucos amigos, muitas amigas e sentia atração pelos meninos. A sociedade não o permitia ter estes sentimentos, ele deveria gostar de meninas, mas ele não gostava, não conseguia, não fazia parte dele.

Ele, ou melhor, ela, ingressou-se no time de futebol por obrigação social. Não gostava de futebol, não tinha interesse nesse esporte violento de macho. Ela olhava para o seu pênis e pensava: Este membro não é meu, não pode ser, tem alguma coisa errada! Ela era homem e tinha que se adequar à sociedade, ela tinha que se fazer sentir-se um homem de um jeito ou de outro. Nada funcionava direito, então ela decidiu entrar naquele jogo de homens viris para ver se aquilo poderia finalmente fazê-la deixar de sentir-se diferente e torná-la num homem de verdade.

Mas ela não era homem, ela era uma mulher! Por mais que ela tentasse mudar a sua própria natureza, jamais conseguiria. Ao descobrir por fim a sua condição rara, realizou uma cirurgia de mudança de gênero, que não era de fato uma mudança de gênero, era meramente a remoção de um pedaço do seu corpo que não lhe pertencia.

Quando minha irmã contou-me esta história, talvez não com tantos detalhes, fiquei surpreso, porque ela é homofóbica. Ela vira este caso em algum canal de TV e simpatizou-se com o caso deste rapaz, ou desta moça, mas não foi capaz de enxergar que a única diferença entre a história dela e de um transexual é um mero cromossomo. Se o primeiro parágrafo fosse omitido, não haveria quem pudesse dizer que se tratava de menina confundida por menino ou menino que nunca conseguiu ver-se como um.

E se fosse o contrário, e se ela se identificasse como homem em vez de mulher? E se, mesmo sendo aquele membro um membro falso, ela sentisse que este era parte dela, ou dele, e se ele se sentisse atraído por mulheres, tivesse comportamento de homem, jeito de homem, se gostasse de cerveja, futebol e mulher, assim como qualquer outro homem do mundo? Ele seria então forçado a se sujeitar a uma cirurgia para remover algo que era parte dele, porque tratava-se de um mero apêndice defeituoso, consequência do mero acaso? O gênero dele, ou dela, seria, então, mero caso de sorte ou azar, uma moeda jogada pelo destino, destino este que ri de nós, seres humanos, quando a moeda cai do lado errado? O que aconteceu com o nosso famoso livre-arbítrio, onde está a nossa capacidade de escolha, o nosso amor à diversidade? A princípio, a ciência diz que o gênero de um ser humano é determinado por um par de cromossomos apelidados de X e Y, mas e se não for tão simples assim? E se estes dois cromossomos não forem o suficiente para determinar se alguém é homem ou mulher, mas apenas o seu membro e seus hormônios, não a sua identidade? Seremos então para sempre vítimas de uma visão dualista da sociedade, fadados a enxergar como felinos e caninos, em preto e branco, quando nossos olhos são evidentemente capazes de distinguir muito mais cores?

Mulheres, sabe-se bem, às vezes também ejaculam, e a ejaculação feminina é similar à ejaculação masculina, com a diferença dos espermatozoides. Seriam também as mulheres que ejaculam, assim como homossexuais e bissexuais, aberrações da natureza? Seriam então 35 a 50% das mulheres aberrações que devem ser impedidas de reprodução? E quanto aos homens que carregam os genes que levam suas filhas a serem tais aberrações, seriam aberrações também? E os homens que gostam de usar brincos, cremes, hidratantes, que raspam a perna? E as delegadas de polícia, ou aquelas que fazem musculação? E os homens sensíveis ou as mulheres duronas? Monstros? Seríamos afinal de contas todos nós aberrações, apêndices irregulares que brotamos no mundo por acidente? Ou será que o gênero não é uma separação tão dual e clara quanto o mundo quer que seja? Alguém por acaso vê um clara diferença entre cachorros e cachorras, entre gatos e gatas, sem ter que olhar para a periquita? Não será por isso que as mulheres têm de se maquiar, deixar o cabelo crescer, usar brincos, colares e pulseiras? Não será esta a razão que as leva a fazerem questão de transparecerem a sensibilidade e a vaidade femininas? Se não fosse assim, não poderíamos confundi-las com homens? Não seria o gênero uma fina casca que se forma sobre os seres humanos durante a gestação? Será que essa casca não se romperia se não fôssemos tão teimosos em apontar e realçar ao extremo esta pequena diferença? Não será esta teimosia milenar a que os coloridos são uma ameaça a única razão de existência da homofobia?

Jesus costumava dizer: “misericórdia, não sacrifício”. Então, entre forçar uma mulher a viver como homem e deixá-la viver como uma mulher, conforme a vontade dela, eu pergunto: qual é a misericórdia e qual é o sacrifício?

Mas, se vós soubésseis o que significa: Misericórdia quero, e não sacrifício, não condenaríeis os inocentes.
Mateus 12, 7

Não condenaríeis os inocentes!

Eu tenho orgulho de ser heterossexual, mas não mais do que tenho orgulho da forma do meu cabelo ou das minhas unhas. Criaremos então o dia do orgulho hétero? E que tal criarmos o dia dos rapazes que, como eu, são crescidos mas não têm a barba completa? Ou das mulheres que têm o rosto levemente quadrado? Dia do orgulho das testas grandes e das pequenas? Dia do orgulho negro, asiático, indiano, indígena, caucasiano e de todas as combinações possíveis e imagináveis de todas as raças existentes no mundo? Ah, eu sou cerca de um oitavo indígena, faço questão de um dia do orgulho dos que são cerca de um oitavo indígenas!

Disseram que o objetivo do dia do orgulho hétero é "conscientizar e estimular a população a resguardar a moral e os bons costumes". Consciência? Que consciência? Moral? Que moral? Bons costumes? Então quando um homem e uma mulher deitam-se juntos numa cama, isso chama-se “bom costume”? Porque eu aprendi vários nomes bem diferentes deste.

Quando vão parar com essa atitude infantil?

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