sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Meninas que brincam de carrinho


José é um menino que acredita em Papai Noel, não há nada de mais nisso, mas o quadro muda quando ele começa a brigar com a amiguinha dele, a Daiane, porque ela não acredita em Papai Noel. O menino diz que ela não vai ganhar presente no final do ano porque ela não acredita em Papai Noel, ao que ela responde "Mas meu pai me disse que vai me comprar um presente! Eu não preciso de Papai Noel pra me fazer feliz! Papai Noel não existe?"

Como ela ousa dizer que não precisa do Papai Noel para ser feliz? E pior, como ousa ela ser feliz sem para isso precisar acreditar que o Papai Noel vai lhe dar um presente no final do ano? Isso é inconcebível! Por que ela ataca assim a inocente crença que ele tem no Papai Noel dizendo na cara dura que ele não existe!

Algum tempo depois, está lá José brincando com seus carrinhos, e então Daiane se aproxima e pede para brincar também. Acontece que Papai Noel diz que meninas não podem brincar de carrinho. Papai Noel não dá presentes para crianças más, para elas ele dá um pedaço de jiló, e meninas que brincam com carrinho são meninas más. Como José não deixa ela brincar de carrinho, então ela vai brincar de carrinho com outro menino que também estava brincando ali por perto.

Então Maria chama José para brincar de casinha, ele é o pai. Daiane se aproxima.
- Eu também quero brincar! Eu vou ser a babá!
- Você não pode.
- Mas por que eu não posso?

Daiane não pode ser a babá porque Daiane é uma menina que brinca com carrinhos. José não quer que uma menina que brinque de carrinho ensine suas filhas a também brincarem de carrinho, isso é errado, Papai Noel não gosta.
- Mas eu prometo que não vou brincar de carrinho na frente das meninas!
- Não, eu não aceito! Porque quem brinca de carrinho se comporta como menino! Eu não quero esse mau exemplo para minhas filhas! Ela vai enfiar o carrinho dentro da roupa delas, não pode!

Imagine que Papai Noel de fato exista e que ele saiba o que aconteceu. Ainda mais, você é o Papai Noel. Ainda que você considere errado meninas brincarem de carrinho, para quem você vai dar os presentes?

Quais parecem ser os motivos de José para não aceitar a Daiane na brincadeira? Será que ele tem uma preocupação legítima com as filhas dele? Ou será que o buraco é mais embaixo? Não parece ser esta uma típica birra infantil sem sentido? Não parece ser pessoal?

Será que não é inveja? Será que, no fundo, José não goste de brincar de boneca? Ou será que ele não gosta da dúvida que ela tem da sua existência porque isso o faz perceber que ele também, no fundo, não acredita? Talvez, no fundo, José só acredita (ou diz que acredita) no Papai Noel porque tem medo de receber um pedaço de jiló no fim do ano. E talvez ele não goste disso e sinta inveja da liberdade de Daiane em não ser obrigada pelo medo a acreditar nisso. Talvez ele só esteja extravazando o medo na forma de raiva.

Alguém poderia apresentar uma objeção: mas não se trata de uma briga de crianças, trata-se de uma briga de adultos. Associa-se homossexualidade com pedofilia mas prova-se o contrário. Então de repente o motivo muda, agora é porque homossexuais vão dar um "mau exemplo" para seus filhos. Não, eles não têm boca, não sabem conversar, não sabem tentar entrar num acordo antes de tomar medidas drásticas.

Aí começam a filosofar a respeito do "direito" do patrão de demitir quem bem entende, pelo motivo que for, sem ter que apresentá-lo a um juiz.

Briga de adultos? Mas todos somos crianças. Os que odeiam as meninas que brincam de carrinho têm medo da lei que proíbe demissões sem motivo relevante ao trabalho porque sentem vergonha de ter que apresentar o motivo de demissão a um juiz. O que eles querem não é o direito de protegerem suas crianças de predatores sexuais ou de ensinar aos seus filhos do que Papai Noel gosta ou não gosta. Em vez disso, eles querem o direito de esconder de um juiz adulto a motivação real para armar todo este circo. Ah, não, eles estão se comportanto como crianças e no fundo sabem disso.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Religiosidade versus moralidade


 Em um cartaz de propaganda da ATEA lê-se “Religião não define caráter”. Esta associação é muito simplória e não explica o que se vê na prática. Por exemplo, por que países mais seculares são aparentemente mais justos e igualitários? Bem, estariam então a moral e a religião relacionados de forma inversa? Não, não estão, este é um exemplo da frase tão repetida: correlação não implica em causalidade. Mas, se existe correlação, existe uma causa.

O cristianismo caracteriza as pessoas como as culpadas pelo que elas fazem, dizendo que elas são pecadoras, limitadas e más por natureza, então não é culpa das ideias do cristianismo que seus membros demonstrem intolerância coletiva claramente motivada pelas suas crenças. É claro que isso não é nada consistente com a forma com que o cristianismo costuma roubar o crédito pela bondade dos seus membros e estes muitas vezes até se tornam meros veículos de propaganda. Uma excelente estratégia para a criação de dependência.

Mas não é este o ponto deste texto.

Eu conheço pessoas de diversas crenças e, entre elas, os cristãos são comumente os mais intolerantes – e, na maior parte das vezes, sem se darem conta. Isso, é claro, com algumas exceções, mas se, por um lado, os cristãos que sabem amar o próximo costumam ser casos isolados, difíceis de se encontrar, percebo que este não é bem o caso em outros grupos religiosos. E também há grupos de cristãos em que a tolerância é a regra, não a exceção.

Em princípio, isso não parece fazer sentido algum até notar-se uma característica em comum entre os intolerantes que os mais tolerantes não possuem: uma forte crença na existência e na importância do inferno. Nunca vi uma pessoa que tenha seja boa por acreditar no inferno, mas toda semana vejo pessoas que são más por causa desta mesma crença. Isto contraria fortemente a noção corrente que o medo da condenação seja capaz de convencer alguém a fazer o que é certo.

Existem os cristãos que acreditam fortemente no inferno e que quem não acredita na forma particular de cristianismo deles vai parar lá sem sombra de dúvida. Eles costumam dar uma grande importância e ênfase na existência do inferno. Esses indivíduos são os piores, terríveis, eles não se preocupam nem um pouco em "não julgar" - porque, para eles, os que não acreditam no mesmo que eles são pessoas más, horríveis. Aliás, eles costumam perguntar a religião de todo mundo para poder saber em quem confiar. É uma paranoia. O fato é que a paranoia de que “o mundo é do demônio” é tão grande que eles tem medo de todo mundo que não pertence ao mesmo grupo que eles, e é por isso que eles são intolerantes.

Não é maldade, é medo! Afinal de contas, se Deus, que é o justo juiz, condena determinada pessoa a uma tortura eterna, então esta pessoa deve ser extremamente perigosa, não é mesmo? E um animal manso quando está acuado vira uma fera! E veja só: o ser humano é naturalmente um animal manso!

Os homofóbicos que jogam lâmpadas em um pai que abraça um filho com certeza pertencem a este grupo.

Depois tem os cristãos que dizem os que não acreditam em Deus vão para o inferno, mas que uma pessoa de outra religião cristã ainda pode ser salva. Esses cristãos no dia a dia são aparentemente comuns, tratam a todos os outros cristãos de forma respeitosa, mas eles têm um troço quando veem um ateu e ou às vezes quando veem um espírita, budista ou umbandista. Aliás, estes, quando veem o ateu sem saber que ele é ateu, também o tratam com respeito e jamais se dão conta que o indivíduo é descrente. E quando veem uma pessoa religiosa que é má, dizem que no fundo essa pessoa é ateia, porque eles não conseguem imaginar um cristão fortemente religioso sendo mau.

Num nível mais acima têm os cristãos que acreditam que qualquer pessoa possa ser salva, mas que os cristãos, por padrão, têm uma chance maior. Estes até sabem "não julgar", mas frequentemente desvalorizam os não-cristãos e dá para perceber que aqueles sentem pena destes. Agora, se você é um ateu e alguém lhe trata de igual para igual, pode ter a certeza de que este não acredita no inferno, ou talvez, se acredita, acredita por mera "obrigação" e evita o assunto o máximo possível.

O mais engraçado é que, pelo que me consta, os judeus, os budistas e os espíritas mais religiosos são frequentemente os mais tolerantes. E veja: na doutrina deles não existe inferno! Com os cristãos e com os islâmicos costuma ser o oposto: os mais religiosos são os mais intolerantes!

Uma observação: a concepção do inferno judeu é que ele é um lugar de arrependimento, não de sofrimento, e que os indivíduos que vão para o inferno podem se arrepender e entrar no céu. Aliás, de acordo com a crença deles, todos vão para lá por padrão.

Para título de exemplo: os espíritas mais religiosos acreditam que devem deixar os filhos seguirem a religião que eles bem entendem, e muitas vezes eles conversam sobre religião com membros de outras religiões como se estes fossem da religião deles mesmos, o que mostra que eles não são paranoicos com pessoas de crenças alheias. Os que são fortemente judeus valorizam as diferentes religiões e muitos deles condenam a ideia de escolas religiosas (mesmo que sejam judaicas) porque eles acreditam que as crianças devem ter contato com as outras crenças. Isso tudo é um pouco difícil de se encontrar entre os cristãos.

É claro que há casos e casos, mas a relação entre a crença no inferno e a intolerância é evidente. A maioria dos ateus acredita que religião faz com que as pessoas sejam más, isso é um grande equívoco. O que faz com que as pessoas sejam más é o medo e inferno é obviamente uma eficiente fonte de medo. Acontece que a maioria dos religiosos acreditam no inferno, e esta crença é que é a grande vilã. Não é a religiosidade ou a crença em algum tipo de divindade que não tem nada a ver com o assunto.

sábado, 3 de setembro de 2011

A inexistência da maldade legítima


Para um caso de maldade ser considerado uma maldade legítima, isto é, para que a pessoa que a cometeu possa ser acusada de culpa, o maldoso tem que ter tido intenção, controle dos próprios atos, conhecimento e consciência da maldade que está cometendo na hora do ato e não ter como causa alguma incapacitação mental. Sendo assim, não existe verdadeira maldade.

É óbvio que existe maldade, nem preciso argumentar, basta abrir o jornal. E onde está a evidência de que não existe maldade legítima? De novo, basta abrir o jornal e analisar com um pouco mais de cuidado os casos.

Por exemplo, Datena falou mal dos ateus ao vivo sem dó. É fato que o discurso de Datena foi uma verdadeira maldade, mas, basta ver a sua aparição no programa da Hebe para perceber que ele não tem consciência alguma do mal que fez.

Considere também o famoso caso de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá. A versão da polícia é que o motivo do crime foi este: eles bateram na menina, excederam um pouco e ela acabou inconsciente. Achando que ela estava morta, jogaram ela pela janela para acobertar o crime. Vamos supor que esta versão é verdadeira. À primeira vista, parece que eles tinham consciência do que fizeram – afinal, tentaram acobertar. Mas, quando fizeram isso, eles acreditavam que ela estava morta, e que ato de maldade há em jogar um corpo por uma janela? E então alguém com certeza grita: mas eles poderiam ter levado ela para o hospital, ou terem tentado reanimá-la, que tipo de pai ou mãe jogaria a filha pela janela? Isso é estupidez!

Exato! Estupidez! Esta é a palavra chave! Estupidez implica em desconhecimento da maldade, o que, por si só, contraria a definição de maldade legítima dada no início do texto. Alguém poderia também argumentar: mas e quanto ao espancamento que a levou à inconsciência? Foi maldade? Sim, sem dúvida. Mas será que, ao espancá-la, eles sabiam que iriam deixá-la inconsciente? Será que eles tinham controle e consciência do que estavam fazendo no momento do ato? Ou será que foi uma força excessiva causada por um lapso de raiva?

E quanto aos "riquinhos" que atearam fogo a um índio? Eles deram a desculpa de achar que se tratava de um mendigo. Não é óbvia a estupidez? Eles achavam que se tratava de um mendigo e claramente também pensavam que não havia nada de errado em botar fogo em um mendigo enquanto vivo!

Criminalidade não está relacionada à estupidez? É claro que está, basta verificar o nível de escolaridade entre os detentos!

Psicopatia trata-se de um desvio de personalidade em que o indivíduo é inerentemente incapaz de sentir compaixão. É uma incapacidade mental. Aliás, a maldade que o psicopata comete também é maldade feita no escuro – ele não é capaz de sentir compaixão, nem sequer sabe o que significa a palavra dor, de que forma poderia ele ter consciência de que causar dor é errado?

É comum ouvirmos, por exemplo, viciados em droga afirmarem que sabem que o vício deles é errado, e isto causa, a princípio, um problema na argumentação deste texto. Será que basta alguém dizer que sabe que o que está fazendo é errado para que ele realmente saiba disto? A resposta é não, pois, oras, crianças dizem que sabem que o que estão fazendo é errado, mas elas não tem o córtex frontal bem desenvolvido e, sendo assim, elas são menos capazes que os adultos de discernir o que é certo ou errado. É por isso que crianças são frequentemente mal comportadas.

Por outro lado, quando se pergunta para um usuário de drogas a motivação dele, uma resposta muito ouvida é que drogas fazem mal, mas compensa usá-las pelo prazer que elas proporcionam. Oras, se eles acreditam nisso, então é porque eles não sabem, de fato, que o uso de drogas é errado. Qualquer um que tenha consciência de que o uso de drogas é errado vai afirmar que eles estão enganados quando dizem que vale a pena. Sendo assim, quando eles afirmam que "sabem que é errado", o que eles sabem é que esta atitude é condenada pela sociedade, não que eles de fato têm consciência da gravidade deste ato e, portanto, não têm consciência de que isto é errado.

E quanto aos viciados que tentam largar as drogas, mas não conseguem? Oras, isso é óbvio, o vício os impede, o desespero e a abstinência toma controle sobre o corpo, e o controle dos próprios atos é necessário para se concluir que um caso de maldade é legítima.

Mas e os que se arrependem? Bem, aí é que está: o arrependimento vem depois do ato, não durante!

Pode ser pura estupidez ou inocência da minha parte, mas eu não fui capaz de encontrar nenhum caso de maldade legítima. Conheço vários tipos de pessoas, de diferentes religiões e com variadas formas de pensar: homossexuais, usuários de drogas, ladrões, traficantes, espíritas, cristãos, ateus, agnósticos... Já vi pessoas queridas cometerem erros e terem que arcar com as consequências ou até mesmo fugindo destas, mas ainda estou para ver um ato deliberado, consciente e intencional de maldade. Em outras palavras, o mundo não é mau, mas apenas estúpido.

Infelizmente, ter boas intenções não impede ninguém de cometer alguma maldade!

Afirmei que pessoas usam a e o medo como instrumentos para manter os indivíduos da mesma crença sob controle para que estes não questionem e acabem por abandoná-la, elas o fazem por medo. Os líderes religiosos também fazem o mesmo porque estão vendados pela ignorância. É impossível para mim conceber os conceitos de "justiça" – que nada mais é uma vingança legalizada. Vejo as vítimas pedirem às autoridades que seja feita justiça e reclamando quando a punição não é severa o bastante para os crimes que foram cometidos. Punição? Então que seja! Que o assassino seja então surrado até que escorra dele um litro de sangue e que depois seja jogado num canto escuro de uma prisão e lá abandonado à morte. Torçamos então para que ele sofra, e muito!

Entretanto, este sofrimento vai se transformar em raiva, ou vai aumentar ainda mais a raiva que ele já possuía. Será que ele vai mudar, se arrepender do que fez? Será que, se ele pudesse sair, ele faria diferente? A resposta é óbvia: não! Bom, então isso deve ser da natureza perversa dele, a maldade dele não tem solução. É exatamente esse o motivo pelo qual Deus vai jogá-lo no inferno, porque ele nunca vai mudar de ideia.

É mesmo? Tem certeza? Como alguém pode esperar que um indivíduo violento aprenda a paz sofrendo violência? Como ele será capaz de aprender a calma se tudo o que lhe é mostrado é a raiva? Será que não é óbvio que o motivo das prisões não recuperarem os criminosos é justamente pelo velho ditado: violência gera violência? Não há dizer que seja tão repetido por todos os cantos e tão ignorado quanto este. Todos falam, todos ouvem, mas ninguém para para escutar por achar que só se aplica a crianças!

Bem, neste caso, somos todos crianças!

Há várias organizações, na maioria das vezes religiosas, que lutam para dar trabalhos e tarefas para os encarcerados. E o que acontece então? A violência diminui. Por que eu não fico nem um pouco surpreso com isso? Puta que pariu, não é óbvio que o modo de transformar um marginal num ser humano é tratando ele como um ser humano ao invés de tratá-lo como um marginal?

Estupradores sentem prazer em prender mulheres e ouvi-las gritarem, debaterem-se, os piores assassinos gozam da tortura, do sangue: é o prazer doentio pelo sofrimento alheio. Então a sociedade os condena à morte, à tortura, torcendo para que eles tenham o mesmo sofrimento que causaram e rejubilam-se em ver a "justiça" sendo feita: é o prazer doentio pelo sofrimento alheio, exceto que, desta vez, é uma doença coletiva.

A mania pelo controle é um motivo muito comum pelo qual muitos pais decidem “disciplinar” os seus filhos na base da violência: eles querem serem capazes de controlar os filhos nos mínimos detalhes. Depois o filho sai para brincar e bate nos colegas porque estes não fazem o que ele quer que eles façam – de novo, a maria pelo controle. Pergunto: onde ele aprendeu isso, dentro ou fora de casa? Depois os pais o agridem por isso, e o menino, é claro, se sentirá injustiçado. Será que o chinelo é mesmo tão necessário quanto se acredito? Ou será que isso é simplesmente resultado da falta de paciência (e talvez até de tempo) para se resolver os problemas de uma maneira melhor? Será que as crianças violentas podem ser acusadas de saber que o que elas fazem é errado? Ou será que trata-se apenas da aprendizagem que elas tiveram – seja em casa, na escola ou na rua?

Mas os criminosos devem pagar pelos seus crimes! Pagar? Mas pagar o quê? E para quem? Alguém por um acaso está lucrando com isso? Os cadáveres voltam à vida por isso? As feridas se cicatrizam? Ou será que, pelo contrário, ainda mais raiva se espalha pela sociedade numa bola de neve que não vai parar de crescer até nós decidirmos repensar este sistema?

O desgosto em ver pessoas más impunes fez com que, há vários milênios atrás, os homens inventassem a condenação após a morte. Punição é um conceito desprezível, não cabe a uma pessoa sensata e muito menos a um ser hipoteticamente onisciente, onipotente e benevolente. Dizer que, por outro lado, o inferno é consequência da maldade e não uma punição é apenas mudar os meios pelos quais os condenados vão parar lá, isso não impede que o conceito em si seja vil. Ainda mais quando quem crê tem a ilusão de que o conceito de “justiça” (quando na verdade é vingança) foi inventado pelo inteligentíssimo Deus e não pelos estúpidos homens.

Sinceramente, se existe um Deus, ele deve estar bem ofendido com essa ideia brilhante que os homens decidiram atribuir a ele. Imagine que você seja um pintor profissional, daí vem um povo que não sabe nada sobre pintura faz uma casinha de criança, coloca uma moldura e fala que foi você quem a pintou. Deve ser assim que Deus se sente com tantas sandices em que as pessoas costumam colocar a assinatura ele: ou ele está revoltado ou está cagando nas suas sagradas calças de tanto se rir.

Bem, antes que saiam por aí falando que o Bandeirinha deve estar louco em achar que os criminosos não devem ser condenados pelos seus crimes, deixe-me dizer que não foi isso o que eu disse. Aliás, dado que maldade pode até não ser intencional, temos um dever ainda maior de impedir que a maldade aconteça e isso inclui um sistema de justiça que seja capaz de condenar pessoas e removê-las do convívio em sociedade se necessário. Punição com intenção de causar dor e sofrimento em vez de aprendizagem, entretanto, não faz sentido algum. Pelo contrário: só piora ainda mais a violência na sociedade.

Saibam a diferença: causar dor aos criminosos não é de interesse público, mas de vontade pública. Muitas vezes o que o povo precisa não é aquilo que o povo quer e o desejo do povo muitas vezes lhe é prejudicial.

Com esta análise, fica claro por que Jesus era tão obcecado com sua filosofia de amar os inimigos e de não julgar para não ser julgado. Deveríamos, em vez disso, fazer o possível para manter a ordem e o bom convívio entre os cidadãos e esquecer dos nossos impulsos instintivos de desejo de vingança. Ao invés de fazer as pessoas pagarem pelo que fizeram, a prioridade deveria ser ensiná-las a serem pessoas civilizadas, e de preferência antes que os crimes sejam cometidos. Isso porque o ensino e a discussão são meios eficazes para acabar com a violência. O medo da punição, por outro lado, não combate a violência: pelo contrário, é uma eficientíssima forma de gerá-la.
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