quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Além da maconha: A guerra de preconceitos

Fato lamentável, em geral as pessoas não conseguem enxergar nada além do preconceito. É só apresentar motivos para que elas o tenham que o próximo passo será fechar olhos e ouvidos. Então os protestos da USP começaram porque alguém fumou maconha e foi levado à delegacia? Ah, são culpados, o assunto acabou, não há mais o que discutir.

Engraçado é a maconha ser menos nociva que o cigarro e, apesar disso, dificilmente caracterizar-se um fumante como bandido ou vagabundo. Pirataria também é contra a lei e também sustenta o crime organizado, mas nem por isso seria aceitável que a polícia tratasse compradores de produtos pirateados como marginais. Ninguém fica preocupado com os indivíduos que compram tênis da Nike, apesar de várias acusações dela utilizar mão-de-obra semi-escrava.

Perturba-me muito que os policiais tenham tido tanto trabalho para levar três fumantes de maconha para a delegacia quando, de acordo com a lei brasileira, eles não poderiam nem sequer serem presos por isso. Entende-se que na maioria das vezes a polícia comumente não apreende usuários de drogas senão para pressioná-los a entregar os traficantes.

Por que estaria a polícia dando batidas em alunos em busca de drogas? Coisa que, aliás, não é nem sequer permitida pela lei a não ser que haja provas concretas que fundamentem alguma suspeita. Em alguns casos o juiz pode anular as provas obtidas numa busca pessoal que não foi bem fundamentada. O propósito inicial dela não era garantir a segurança dos alunos? E quanto aos trechos mal-iluminados e com pouco movimento, por que continuam sem iluminação e por que os policiais não estão lá vigiando?

Desde maio (que foi quando o acordo entre Rodas e a Polícia Militar foi firmado) discutia-se que a Polícia Militar não estava preparada para atuar como segurança interna da universidade. Vale notar que a polícia faz rondas no campus da USP desde 1997 até maio deste ano e sua presença não era maior nem menor que no resto do Estado de São Paulo. A diferença agora é que a polícia está atuando como se fosse parte da segurança interna da universidade. Não há mais violência no campus que nos seus arredores, então uma presença mais forte da polícia lá dentro não se justifica. Ou seja, o acordo firmado entre Rodas e a Polícia Militar é que é um tratamento especial aos estudantes da USP, não o contrário, como se estudantes fosse marginais.

Desapontador ver pessoas tendo que apelar cegamente para a lei da maioria. Não são todos os 80 mil estudantes da USP que aderiram aos protestos, e 58% deles posicionam-se a favor da polícia no campus. Mas quando foi que todo o público saiu em protesto nas ruas? Fizeram isso com a descoberta da extrema corrupção no governo anterior? Teria a maioria dos estudantes aderido aos conhecidos protestos de 68? Alguém poderia lembrar que houve naquele ano a passeata dos cem mil, mas esta envolveu muito mais pessoas que apenas os estudantes. Nem mesmo os caras-pintadas constituíam a maioria dos estudantes da USP ou de qualquer outra universidade.

Há pouco tempo, houve uma passeata em Barão Geraldo contra o estupro, reunindo apenas cerca de 400 estudantes. Se esta linha de raciocínio estivesse correta, poderíamos concluir que a maior parte da população é a favor do estupro, não?

Não sei em que mundo as pessoas vivem para esperar que todos os estudantes da USP protestem quando algo está errado.

Assembleia dos estudantes da USP
Queiram ou não, milhares de estudantes protestam e este é um número bem expressivo. Se 58% dos estudantes são a favor da polícia, 36% são contra ela. Se alguém pensa que 42% não é muito, pense de novo: no Brasil, menos de 8% da população é negra. Vale também lembrar que na FFLCH, que é o ponto central das manifestações, abriga seis dos nove melhores cursos da USP e que lá se concentram os estudantes menos abastados, o que mostra que os preconceitos que os manifestantes  não estudam ou que são "filhinhos de papai" são falsos.

E quanto à violência do movimento? Carros depredados, pichações, pedras atiradas... Sim, é fato, os estudantes não são nada santos e, sinceramente, eu esperaria um comportamento muito melhor deles. Entretanto, vale lembrar de novo que até nos protestos estudantis de 68 houve violência contra a polícia, incluindo coquetéis molotov. É isso o que as pessoas fazem quando têm medo do pior: elas se tornam violentas. Isso vale para os dois lados, a existência de coquetéis molotov não se justificam em circunstância alguma.

Não quero de maneira alguma tentar justificar as viaturas que foram depredadas em consequência dos protestos. É uma vergonha que estudantes tenham feito isso. Conforme dizem vários relatos, a polícia pode ter sido a responsável pela depredação da reitoria, mas não pelas pichações. Mesmo que a polícia, tenha utilizado de gás lacrimogênio na moradia da USP e mantido os estudantes em cárcere privado (conforme mostra este vídeo, encontrado nesta matéria do site G1), os estudantes não deveriam em hipótese alguma ter depredado coisa alguma. A imprensa pode esconder milhões de fatos que a menor das pedras atiradas contra ela ainda será injusta. Não há situação alguma em que o cuspe a um policial possa ajudar senão para provocar ainda mais raiva e violência por parte deste.

A violência fere o próprio propósito do movimento estudantil e apaga o perfume das flores que são oferecidas e da diplomacia.

A atuação da polícia na desocupação da reitoria foi vergonhosa. Após o mandato judicial e a recusa dos estudantes de saírem do prédio, a entrada dos policiais foi de surpresa, durante a madrugada. Não houve negociação antes da invasão, não houve tentativa de terminar a situação sem que houvesse um confronto. Haviam 400 policiais mais 30 cavaleiros contra 70 estudantes. Aqueles não portavam armas não letais e nem sequer revólveres, mas submetralhadoras. Uma arma feita para matar rápida e eficientemente. Chegaram em carros, motos, ônibus e helicópteros, tudo muito rápido para que não houvesse tempo para nenhuma reação indesejada. Havia policiais também na moradia, impedindo que eles saíssem de lá, provavelmente para impedir maiores confrontos. Uma repressão extrema para que não houvesse nenhum perigo.

Quando uma estudante vai da moradia em direção à reitoria durante a desocupação, um grupo de policiais impedem-na, ameaçando-a à prisão caso ela tente atravessá-los. Eles formam um cerco, cruzam os braços e encaram-na. Mal havia ela chegado ao local, sem importunar e sem reclamar senão da atitude dos policiais, estes reagiram como se ela estivesse carregando uma bazuca ou como se fosse seguida por no mínimo 20 indivíduos.

A única arma que ela carregava era uma câmera e ela estava só.

Ao final da operação, os policiais se parabenizaram: ninguém saiu ferido, ninguém morreu, ótimo, tudo foi às mil maravilhas!

A polícia foi, de fato, extremamente eficiente... se isso fosse uma guerra! Onde eles estavam com a cabeça para fazer uma operação desta proporção? Por que todo este drama por parte da polícia?

Alguém está pensando o mesmo que eu?

Isso é medo!!! A Polícia Militar está morrendo de medo! Eles não fazem a menor ideia de que estão meramente lidando com estudantes rebeldes, eles pensam que o inimigo deles é uma quadrilha organizada de traficantes ou terroristas. Eles estão preparadíssimos para invadir uma refinaria onde há indivíduos armados até os dentes com metralhadoras, rifles e bombas... mas não têm a menor sensibilidade para compreender a mente de um estudante, de um manifestante, de um civil revoltado com o sistema.

É assim que se programa um policial: cuidado com os estudantes, eles podem parecer inofensivos, mas são muito perigosos! Vejam como eles chutaram os carros da polícia! Vejam como eles atiraram pedras nos jornalistas! Quando outros se desculparam por isso, é claro que eles só estavam sendo lobos em pele de cordeiro.

Assim como nós, que carregamos no nosso uniforme estrelas em homenagem às atuações históricas sangrentas dos nossos antepassados, como esta mais embaixo, em homenagem à "Revolução", quer dizer, ao Golpe de 64.

Não podemos arriscar, temos que garantir que haja o mínimo de pessoas feridas. E, é claro, é por isso que nós iremos armados com submetralhadoras numa proporção de seis policiais para cada manifestante. Isso é totalmente razoável diante das circunstâncias.

Eles são treinados para não terem que usar de força letal, mas não para serem humanos. Eles não parecem se importar quando um indivíduo tem que ficar uma semana sem trabalhar depois de ter sido atingido por uma bala de borracha e não parecem sentir culpa quando vários policiais agridem com seus cassetetes um indivíduo que quer fugir.

Os policiais são incapazes de entender a cabeça dos estudantes. Os estudantes em geral também têm dificuldade de compreender a cabeça do policial que acredita profundamente que está colaborando para a manutenção da paz e da ordem. Essa não é uma guerra de maconha, é uma guerra de preconceitos. O estudante que existe na cabeça dos policiais está bem longe dos estudantes de carne e osso. Uma coletiva falácia do espantalho. Os agentes da lei são muito bons com cassetetes e armas e desconhecem a linguagem da argumentação, da discussão. Os primeiros aprenderam a obedecer sem questionar e os últimos desprezam a hierarquia. Os dois grupos não falam a mesma língua.

Repressão à greve de 2009 na USP
O reitor é obsessivo por controle e não consegue se conformar com a rebeldia dos estudantes. Esta obsessividade já estava visível na greve de 2009 (cuja repressão foi noticiada internacionalmente). Desculpe-me, Rodas, não dá para colocar estudantes sob controle, eles nasceram para questionar. Isso não é o mesmo que dizer que eles sejam criminosos. Tentar arrancar a rebeldia dos estudantes faria a universidade perder todo o seu propósito de construir o conhecimento.

Rodas está completamente fora de controle, o que é de se esperar de um obsessivo por controle. Não há dialogo com ele, ele não entende português. Não espere que ele ceda à pressão, ele provavelmente pensa que, se ele sair ou fizer como os estudantes pedem, a USP se desmoronará. Ele já demonstrou pensar assim por suas próprias palavras. E há testemunhas do radicalismo dele. A Faculdade de Direito, dirigida por ele de 2007 a 2009,  o declarou persona non grata.

Ele está fora de si.

Vários indivíduos que defendem que a polícia deve sair do campus estão fazendo comparações entre este conflito e o período de ditadura militar. Muitos acreditam que esta afirmação é extrema, radical, exagerada. Talvez não seja. Quando se fala em ditadura militar, as pessoas pensam nos vilões de cinema, maus, violentos, sem empatia e sem coração. Entretanto, do ponto de vista dos ditadores, a ditadura era bem justificada. Ainda hoje há quem acredite nisso.

Afinal de contas, os comunistas que eram contra a ditadura militar eram, sem dúvida, assassinos, sequestradores, rebeldes e criminosos. Os militares temiam uma insurreição, temiam que os comunistas tomassem o Estado à força e fizessem chacina semelhante a outras chacinas feitas em nome da ideologia de esquerda. Eles torturavam pessoas que, muitas vezes, eram, de fato, criminosos, culpados de todas as acusações.

A História transformou a ditadura numa vilã de cinema, mas duvido que tal comparação seja justa. Ela foi, sim, uma vilã, mas vilões do mundo real quase sempre são vilões porque são loucos, não porque são maus. A ditadura estava cheia de Rodas obsessivos por controle e por disciplina. A obsessão por controle e o medo transformam-se rapidamente em repressão, mesmo que não seja intencional.

Mas, intencional ou não, o dano é o mesmo.

Se a comparação entre ditadura e os conflitos da USP parecem ser absurdos, ela não parece mais tão absurda ao entender que os militares eram tolos em vez de maus. Os militares da ditadura eram fanáticos e fanáticos não são maus, apenas cegos. Muitas vezes, tornam-se extremamente estúpidos e brutais.

Eis a minha opinião de leigo, caso ela seja de alguma valia:

Acredito que haja uma saída para este cenário de loucura. O movimento estudantil tem a obrigação moral de tentar estabelecer algum diálogo com o reitor, mas isto provavelmente não dará nenhum resultado satisfatório. O reitor está fora de controle; entretanto, a polícia está apenas desinformada e despreparada para lidar com a situação. Portanto, é essencial que haja um diálogo entre os estudantes e a Polícia Militar.

Os estudantes que acreditam na força dos livros serão sábios se também acreditarem na força do diálogo. Afinal de contas, um livro nada mais é que uma conversa registrada em papel. Se um policial não entende a cabeça de um estudante, é preciso que este ao menos compreenda a cabeça daquele para que um diálogo seja possível.

Não vejo por que não seria possível, por exemplo, se o movimento estudantil, por meio de panfletos e discussões, defendesse que os estudantes não devem causar danos às viaturas e, em troca, os policiais deixariam as bombas de efeito moral e de gás lacrimogênio guardadas na delegacia. O movimento estudantil poderia incentivar os estudantes a não usarem drogas nas dependências da universidade enquanto a polícia deixaria de efetuar batidas nos estudantes.

Um acordo onde os estudantes concordariam em evitar o uso de drogas dentro do campus seria um movimento inesperado, deixaria a mídia sem saber o que dizer e colocaria Rodas em cheque. Sem a polícia para atrapalhar, seria mais fácil lutar pela substituição do reitor. Se o objetivo é encontrar uma solução, é preciso esquecer o preconceito e deixar de lado a obsessão por querer que todos vejam quem está certo. Deve-se esquecer a justiça e pensar na forma mais eficiente de resolver o problema.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Em busca do Jesus histórico 6: Jesus, Buda e a influência deste no cristianismo


Podemos encontrar muitos paralelos entre relatos a respeito de Jesus Cristo e de Siddhattha Gautama, mais conhecido como o Buda, o líder espiritual que viveu entre 563 e 483 a.C., mesmo numa análise superficial destes dois indivíduos históricos. Isso vai bem além de ambos serem líderes de duas das maiores religiões do mundo atual e a relação entre as histórias das duas personagens não é mera especulação.

A primeira relação mais óbvia é que ambos foram mestres, tiveram discípulos pregadores e foram de casa em casa para pregar as boas novas para aqueles que se dispusessem a ouvir. Este é um tema que não se encontra em outras religiões. Ambos prometiam uma nova ideia, uma nova doutrina. Ainda que Buda tenha nascido rico, ele escolheu viver como um mendigo, se sustentando a partir do que recebia nos lugares em que visitava, mas sem levar roupas extras ou a comida do dia seguinte.

Reunindo Jesus os doze, deu-lhes poder e autoridade sobre todos os demônios, e para curarem doenças; enviou-os a pregar o reino de Deus e a fazer curas, dizendo-lhes: Nada leveis para o caminho, nem bordão, nem alforge, nem pão, nem dinheiro, nem tenhais duas túnicas. Em qualquer casa em que entrardes, nela ficai e dali partireis. Em qualquer cidade em que vos não receberem, saindo dela, sacudi o pó de vossos pés em testemunho contra eles.

Esse costume de não pregar àqueles que não mereciam ouvir as pregações também não é exclusividade das regras de Jesus.

E o Abençoado disse-lhes: "O Dharma e o Vinaya1 Proclamado pelo Tathagata2 brilham quando exibidos, e não quando são escondidos. Mas não deixem que esta doutrina, tão cheia de verdade e tão excelente, caia nas mãos daqueles que desmerecem-na, onde ela será desprezada e desdenhada, tratada de forma vergonhosa, ridicularizada e censurada."

1 As duas partes dos ensinamentos de Buda. Dharma é a ordem natural das coisas e Vinaya é um conjunto de regras disciplinares.2 Um título de Buda que significa que ele está acima das coisas que vem e que vão, ou que ele encontrou a verdade.
The Gospel of Buddha, Paul Carus, XVII.15 (tradução livre)

É bastante conhecido que Jesus também falou a respeito de luz e que não se deve escondê-la. Buda significa aquele que despertou ou talvez iluminado, ele era conhecido como aquele que salva o mundo do sofrimento, da miséria e da morte.

se, pois, Jesus aos judeus que o haviam crido: Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sois meus discípulos,

conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.
João 8:31-32
uma hipótese acerca da origem da semelhança entre estas duas figuras históricas: os essenos. Estes eram uma seita judaica que praticava a austeridade, a pobreza e a abstenção dos prazeres mundanos. Acredita-se que a origem desta seita foi a influência de monges missionários budistas. Esta seita, por sua vez, pode ter sido fonte dos costumes que Jesus decidiu adotar.

Não estou de maneira alguma tentando transformar Jesus em um apêndice de Buda. Jesus tem várias ideias e ensinamentos próprios. Além disso, quantas pessoas da antiga Palestina não teriam olhado para os essenos com desdém? Como nós já vimos, não era comum neste local e época aparecerem profetas messiânicos pregando a violência? Quantos deles aprenderam (ou criaram!) a ideia de uma revolta pacífica? E quantos foram capazes de disseminar a ideia de que a prática  da caridade e da aceitação dos "pecadores" não só não era errado, como era o correto, o que deveria ser feito?

Hoje em dia é comum associar religião e bondade, mas esta não era uma ideia muito popular na época. As regras religiosas eram bastante arbitrárias e exclusivas. Jesus, assim como Buda, espalhou a ideia de uma religião cuja principal regra não era a idolatria, o sacrifício e o sofrimento, mas a prática da bondade. É ironia do destino Jesus (e provavelmente também de Buda) ter por fim acabado por se tornar um ídolo cujos seguidores não somente idolatram, deixando seus ensinamentos num patamar bem inferior, como também condenam aqueles que não fazem o mesmo. Isso à desvalia do personagem histórico que tanto questionava e se recusava a aceitar dogmas religiosos quando estes não faziam sentido. Aliás, aqui está outro ponto em comum.

Em seguida, Buda lista os critérios pelos quais uma pessoa sensata pode decidir quais ensinamentos aceitar como verdade. Não acredite em ensinamentos religiosos, diz ele aos Kalamas, só porque alega-se que eles sejam verdade ou mesmo pela aplicação de diversos métodos ou técnicas. O conhecimento fundado na experiência de um indivíduo podem ser questionados.
Ele adverte que as palavras do sábio devem ser ouvidas com cuidado e levadas em consideração. Em outras palavras, não é a aceitação passiva, mas, em vez disso, o questionamento constante e o teste pessoal para identificar quais das verdades você é capaz de demonstrar por si mesmo que de fato reduzem o seu próprio estresse ou miséria:
  • Não se deixe levar pelo que se aprende a partir da repetição,
  • nem pela tradição,
  • nem pelo rumor,
  • nem pelo que está nas escrituras,
  • nem por suposição,
  • nem por um axioma,
  • nem por raciocínios capciosos,
  • nem pela propensão sobre uma noção que foi ponderada,
  • nem pela habilidade aparente de outrem,
  • nem pela consideração "O monge é nosso professor."
Kalamas, quando vocês souberem por si mesmos: "Estas coisas são boas; estas coisas não são condenáveis; estas coisas são elogiadas pelos sábios; empreendidas e observadas, estas coisas levam ao benefício e à felicidade," entrem e permaneçam nelas .'

Tanto as histórias de Buda quanto de Jesus relatam milagres. Entre os possíveis milagres de Buda estão andar sobre a água e ter nascido de uma virgem. Muitos também caracterizam Buda como uma divindade. Entretanto, tem um fato bastante surpreendente em muitos relatos a respeito de Buda que não se encontra nos que são referentes a Jesus: Buda não somente não faz milagres como se recusa a realizar milagres, caracterizando-os como desprezíveis e até proibindo seus discípulos de fazerem-nos.

"Um discípulo ordenado não deve ostentar nenhuma perfeição sobre-humana. O discípulo que com más intenções e por cobiça ostenta uma perfeição sobre-humana, seja ela visões celestiais ou milagres, não é mais um discípulo do Sakyamuni.1
Eu os proíbo, ó bhikkhus,2 de empregar quaisquer feitiços ou suplicas, pois eles são inúteis, uma vez que a lei do karma governa todas as coisas. Aquele que tentar realizar milagres não entendeu a doutrina do Tathagata,"

1 Outro dos títulos de Buda. Sakya era a região em que ele vivia e muni é um título comum na Índia que significa sábio.

2 Classe de monges budistas. Nesta história, este termo foi anteriormente empregado aos ascéticos.

Ele também diz, em alguns relatos, que ele não é nada além de um homem. É mais provável (pelo critério da dissimilaridade) que Buda realmente tenha se recusado a realizar milagres. Em vez disso, ele parece deixar para o destino, ou karma, decidir quem será curado e quem não será. A prática de milagres era (e é) bastante comum, nada impede que uma pessoa acredite de forma honesta que está realizando milagres quando o que ela faz são apenas pequenos truques (veja o documentário Miracles for Sale, de Derren Brown, para convencer-se disso). Mas este não parece ser o caso de Buda.
Desculpem-me o tom provocativo, caros cristãos, mas me parece que o povo antigo tinha a mania de atribuir milagres a pessoas que não os faziam e que nem sequer alegavam fazê-los. Imaginem o que não atribuiriam a alguém que se dizia o messias e que possivelmente acreditava estar realizando milagres.

Por fim, quantos cristãos, caro leitor, você já não ouviu falar que você deve aceitar Jesus para salvar-lhe do seu sofrimento, da sua miséria interior? Como é comum falarem a respeito de como são ruins as coisas mundanas e que Jesus é o caminho para longe delas, não é? Quantos discursos cristãos sobre auto-domínio, auto-controle e disciplina não se ouvem por aí! Muitas formas de cristianismo também falam a respeito do auto-conhecimento, que é uma ideia... cristã? É mesmo? E onde, amigo leitor, está escrito isso? Na Bíblia? E quem é o autor destas ideias? Jesus? De forma alguma! Isso não está na Bíblia nem nos evangelhos! No máximo encontram-se ideias relacionadas ou que se encaixam bem com estas. Mas se não foi Jesus o autor dessas ideias, quem foi?

Oras, é óbvio, isto não só é parte da doutrina budista, como é o tema central dela!

Não parece uma tremenda ironia, caro leitor, que tantos cristãos afirmem com tanta convicção que Jesus Cristo é a única fonte da verdade e que eles, ao mesmo tempo, disseminem as ideias que vieram do fundador de outra religião? Não é estranho que eles julguem o espiritismo como "perigoso" porque este mistura o cristianismo com doutrinas hinduístas e budistas? Perigoso? Perigosa é esta hipocrisia!

Alguém poderia me perguntar: mas o que há de errado em aprender coisas com outras religiões? Nada, pelo que me consta. As religiões trazem tanto verdade quanto mentira, tanto coisas boas como coisas ruins. E, como disse Albert Einstein, "a mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original."


< Parte 5 Parte 7 >

P.S.: Cometi um crime enorme ao deixar de mencionar o fato que Buda também pregava a respeito de amar a todos de forma universal. Não, caro leitor, Jesus não inventou o conceito. Talvez este tenha sido o primeiro a atentar para o fato de que deve-se amar até mesmo os inimigos, o que, na minha opinião, é a parte mais preciosa de seu ministério. Entretanto, amar ao próximo, isso era conhecido tanto para os budistas quanto para os filósofos gregos, mas, aparentemente, não para os palestinos.


Edição:  Ao escrever este texto, usei como fonte o livro "The Gospel of Buddha", que, embora eu soubesse que a história dentro dele não seria totalmente confiável, imaginei que o autor teria usado apenas textos budistas (e talvez a própria imaginação) para construir o texto. Enganei-me: o autor deliberadamente usou também os evangelhos do novo testamento (incluindo o de João) como base para seu texto, não com o objetivo de enganar ou iludir a ninguém, mas de fazê-lo mais atraente ao mundo ocidental. Este é provavelmente o motivo de às vezes Buda fazer uso de algumas expressões típicas de Jesus, como "quem tem ouvidos para ouvir, que ouça" e "a verdade vos libertará". Sendo assim, deve-se ignorar isso.

Seria mais confiável comparar os dois indivíduos utilizando os textos mais antigos que contam a história de Buda, mas é claro que isso requer tempo e, portanto, não farei isso tão cedo.
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