terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Em busca do Jesus histórico 8: A ressurreição

A ressurreição de Jesus, o nazareno, pode ser considerada como evento histórico? Esta é certamente uma pergunta ousada de ser feita nesta sociedade, fato que torna obrigatória a tentativa respondê-la às melhores habilidades da nossa limitada razão. Uma perspectiva bem inteligente de endereçar a questão ocorreu num interessante (e recomendado!) debate entre o filósofo Dr. William Lane Craig e o historiador do Novo Testamento Dr. Bart D. Ehrman, com o tema Jesus ressuscitou dos mortos?



Apresentarei os pontos centrais de forma bem resumida.

Craig defende que hipótese da ressurreição é a que melhor explica quatro eventos históricos que os historiadores do novo testamento costumam classificar como prováveis:

  1. Sepultamento de Jesus num túmulo,
  2. A descoberta de que o túmulo estava vazio,
  3. Aparições de Jesus em várias ocasiões,
  4. A crença dos discípulos originais de que Jesus havia ressuscitado.

Note que não há como estabelecer que a aparição de Jesus tenha sido física - ela também pode ter sido causada por ilusão, impressão, sonho ou loucura.

Ehrman diz que um milagre é o menos provável de todos os eventos em quaisquer circunstâncias e conclui que não se pode, mesmo sob as evidências, afirmar que um milagre é a explicação mais provável para um evento. Como o dever de um historiador é chegar à hipótese mais provável, este não pode concluir que Jesus tenha ressuscitado, pois esta seria, de acordo com nosso conhecimento sobre a vida e a morte, o evento mais improvável. A ressurreição é uma explicação teológica, não histórica.

O argumento matemático

Em seguida, William L. Craig refuta este argumento dizendo que se trata de um argumento filosófico e não histórico, originalmente feito por David Hume no século XVIII que foi argumento refutado por filósofos posteriores. Ele diz que a probabilidade em questão é a probabilidade de ter havido uma ressurreição com respeito às evidências 1 a 4. Entretanto, Craig dá um grande vacilo ao explicar por que este argumento é inválido apresentando uma fórmula (conhecida como Teorema de Bayes Estendido). Ei-la:


onde

  • P(R|E) é a probabilidade de ocorrer a ressurreição supondo as evidências 1 a 4;
  • P(R) é a probabilidade da ressurreição ocorrer (sem supor que há evidências);
  • P(E|R) é a probabilidade das evidências ocorrerem supondo que houve ressurreição;
  • P(Rc) é a probabilidade de não ocorrer uma ressurreição; e
  • P(E|Rc) é a probabilidade das evidências ocorrerem dado que não houve ressurreição.

É muito fácil para um matemático perceber que essa fórmula, na verdade, testemunha contra a tese de William, não em seu favor. Basta notar que  P(Rc) é praticamente 1 (ou seja, que uma ressurreição é extremamente improvável) que segue quase imediatamente que basta que a probabilidade de as evidências aparecerem sem uma ressurreição ser maior que a probabilidade da ressurreição em si. Mais especificamente:





Ou seja, basta que P(E|Rc) seja maior do que P(R) para que P(R|E) seja menor do que 0,5 (ou 50%). Oras, seria improvável que as evidências 1 a 4 ocorressem de forma aleatória, mas, ainda assim, não seria tão improvável quanto um milagre!

Por exemplo, não seria nada extraordinário que alguém tirasse o corpo do túmulo por algum motivo - talvez, por exemplo, para escondê-lo, ou por acreditar que Jesus não mereceria um enterro digno. Também não seria nada extraordinário que ninguém pudesse encontrar o corpo depois disso, ou que este estivesse deteriorado ao ponto de ninguém conseguir reconhecê-lo - sem contar na desfiguração causada pela própria crucificação. A crença na ressurreição seguiria quase imediatamente - pois isso seria facilmente algo que as pessoas iriam querer acreditar. O fato de pessoas avistarem (ou alegarem terem avistado) Jesus em carne e osso também estaria apenas um passo adiante, da mesma forma as pessoas facilmente veem espíritos em casas mal assombradas simplesmente porque acreditam que há espíritos nelas.


Na parte de perguntas e respostas, Craig afirma que a fórmula foi usada por Richard Swinburne e que este calculou que a probabilidade da ressurreição deveria ser por volta de 97%. Ao analisar uma revisão de sua tese, nota-se que ele argumenta de forma extremamente diferente de Craig e ele não usou números calculados, mas "chutou" valores para as probabilidades.

Swinburne argumenta que Jesus é a única pessoa do mundo que satisfez as condições prévias e póstumas de ser o próprio Deus encarnado - pois ele cumpriu as profecias do Antigo Testamento. Assumindo a probabilidade da existência de Deus como sendo 50% e a probabilidade dele querer se reencarnar também como 50%, chega-se à conclusão que a probabilidade de Jesus ressuscitar (sem considerar os fatos 1 a 4) é extremamente alta: 25%! Isso vai contra não apenas o argumento de Ehrman, mas também o de William Craig: uma ressurreição é extremamente improvável.

Uma refutação à afirmação que Jesus realizou as profecias do Antigo Testamento pode ser encontrada nesta e nesta páginas (que, apesar de religiosas, utilizam bons argumentos históricos).

Ao apresentar a fórmula, William deu um tiro no próprio pé. Mas a plateia, é claro, não percebeu, e nem Bart. Sorte daquele que este não era matemático, senão teria levado uma surra.

Por que as pessoas acreditavam na ressurreição

No texto Os santos "incorruptos": como mentiras se tornam verdade, eu dei um exemplo bem claro de como alegações extraordinárias e racionalmente inexplicáveis pode surgir através da comunicação boca-a-boca simplesmente porque as pessoas estão muito suscetíveis a acreditarem nelas e pouco suscetíveis a levarem as evidências contrárias em conta. Ainda que alguém soubesse o que realmente ocorreu e tentasse explicar isso aos cristãos, facilmente inventariam uma desculpa para desacreditá-lo.

O fato é que haviam pessoas da época espalhando outras versões da história, como é evidenciado na própria bíblia:

Enquanto elas iam, vieram à cidade alguns soldados da guarda, e contaram aos principais sacerdotes tudo o que havia sucedido.

Estes, reunidos com os anciãos, tendo consultado entre si, deram bastante dinheiro aos soldados,

recomendando-lhes que dissessem: Os seus discípulos vieram de noite e furtaram-no, enquanto nós dormíamos.

Se isto chegar aos ouvidos do governador, nós o persuadiremos, e vos livraremos de cuidado.

Os soldados receberam o dinheiro e fizeram como lhes haviam recomendado; e esta notícia se há divulgado entre os judeus até o dia de hoje.
Mateus 28:11-15
Enquanto elas iam, vieram à cidade alguns soldados da guarda, e contaram aos principais sacerdotes tudo o que havia sucedido. Estes, reunidos com os anciãos, tendo consultado entre si, deram bastante dinheiro aos soldados, recomendando-lhes que dissessem: Os seus discípulos vieram de noite e furtaram-no, enquanto nós dormíamos. Se isto chegar aos ouvidos do governador, nós o persuadiremos, e vos livraremos de cuidado. Os soldados receberam o dinheiro e fizeram como lhes haviam recomendado; e esta notícia se há divulgado entre os judeus até o dia de hoje.

É fácil vez que esta explicação é inconsistente com os eventos apresentados nos evangelhos. Entretanto, note que esta explicação está sendo apresentada pelos que acreditavam na ressurreição, não por quem acreditava nesta explicação alternativa. Esta se perdeu na história, não dá para confiar que este trecho retratado no livro de Mateus é a versão correta ou completa desta explicação. Seria como aprender a Teoria da Evolução ou do Big Bang pela boca de um criacionista fanático. Ao ouvir de um criacionista, estas teorias, é claro, se tornam ridículas e irracionais. O mesmo vale para a passagem acima.
O meu ponto não é que esta explicação seja a verdadeira, mas que havia explicações alternativas que foram ignoradas e perdidas - infelizmente, elas só poderiam ser conhecidas e defendidas por pessoas da época.


Para finalizar, eu não estou dizendo que a hipótese da ressurreição é impossível, mas apenas que ela é indefensável.


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