segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O Pinheirinho e a nossa sociedade maldita


Seis mil moradores do Pinheirinho foram chutados de suas próprias casas à base de balas de borracha e bombas de gás. O motivo? Um criminoso do colarinho branco, Naji Nahas, que já foi acusado de lavagem de dinheiro, decidiu que queria de volta o terreno. Por quê? Dinheiro. O que mais poderia ser?

A violência não foi contida. Moradores foram feridos (um deles por uma bala letal) e tiveram que ser levados ao hospital. Nem deixaram que os habitantes retirassem seus pertences de suas casas antes de destruí-las. Expulsos, sem ter para onde ir, foram recebidos por uma igreja. Como esta não tinha espaço o suficiente, de lá foram levados a um ginásio no Parque do Morumbi. Passaram calor devido ao excesso de pessoas, pelo menos quatro delas desmaiaram e foram levadas ao hospital. Não havia água nos banheiros. Pessoas desapareceram, mas, ante tanta confusão, como saber se elas simplesmente fugiram ou se foram mortas?

Chutados de suas casas como cães, encaminhados para os abrigos feito gado, amontoados e encaixotados feito mercadoria. Não eram humanos, apenas ratos que ocupavam o terreno de um aristocrata, capim inconveniente que se remove e queima. Descartáveis.

Dizem que os policiais estavam apenas no cumprimento da lei. Acontece que, neste caso, a lei traiu os direitos humanos que garantem a todos o direito à moradia. Seis mil pessoas perderam esse direito para que um único indivíduo tivesse o direito à propriedade. Para maiores detalhes, deixo aqui a excelente entrevista que a urbanista Raquel Rolnik concedeu à Folha de São Paulo.

Se foi a lei quem deu a estes homens o que eles receberam, maldita seja essa lei!

O senhor governador Geraldo Alckmin comunicou à imprensa que providenciará moradia para os indivíduos que foram expulsos do Pinheirinho. Oras, por que não fez isso antes de expulsá-los? Pois a Selecta que esperasse a providência de moradia para os seis mil antes de reaver seu terreno, ou que fosse mais inteligente e buscasse um acordo que fosse mais simples de cumprir, como vender seu terreno à prefeitura de São José dos Campos em troca de suas dívidas em impostos.

Ouvi alguns dizerem que os invasores deveriam trabalhar para comprar a própria casa. Oras, antes fosse fácil assim. Veja, por exemplo, o filme “Em busca da felicidade”. Mesmo o protagonista sendo inteligente bem acima da média, mesmo tendo uma tremenda força de vontade, custou muito a ele conseguir sair da miséria. Oras, e se ele não fosse tão inteligente? Que chances teria o filho dele na vida se a sua educação foi numa creche que só ensinava as crianças a assistirem televisão? Como ele sairia daquela situação se não tivesse uma força de vontade muito maior que a média da população?


Um amigo meu contou que, enquanto fazia trabalho voluntário numa favela, ouviu o próprio pai ameaçar de morte a tia. Ele tentou dizer à criança que seu pai não falava sério, não podia estar falando sério, mas esta insistiu "Não, moço, ele mata mesmo, meu pai mata mesmo." Nossa espécie tem uma característica única entre os animas: nosso cérebro só termina seu desenvolvimento na infância, fora do útero, tempo em que absorve, na sua própria formação, as características do ambiente ao seu redor. Que outro destino poderia ter uma criança criada num ambiente violento senão a violência? Como esperar que ela não aprenda a crueldade que está ao seu redor? Como julgar por sua violência aqueles que foram criados desta maneira?

Outro dia vi um homem extremamente triste na rodoviária em Campinas porque tinha vindo de Belo Horizonte para São Paulo para conseguir um emprego, não conseguiu e queria voltar, mas não tinha dinheiro para a passagem. Oras, diga-me, caro leitor, ele não tinha boa vontade? Se ele comprou uma passagem de ida, sem ter dinheiro para a volta, não é porque tinha esperança? Oras, eu afirmo que não teria tal coragem, a não ser que eu estivesse numa situação desesperadora. Mas, mesmo assim, não sabia ler, mal tinha inteligência para se expressar, que chances ele teria? Mesmo voltando para Belo Horizonte, para a família dele, diga-me, se for capaz, caro leitor, qual seria a sua chance? Voltaria, feliz por reencontrar a família, com muito boa vontade para melhorar sua condição de vida… mas e daí? Quanto tempo até ele voltar a passar fome? E seus filhos, sem uma boa educação, como ajudariam o próprio pai?

Como quebrar este ciclo vicioso infernal?

Maldita é a sociedade que nega o direito à moradia para 6 mil pessoas para dar a um único indivíduo corrupto, egoísta e rico o direito a ter ainda mais dinheiro! Maldita é a sociedade que olha com desdém para essa injustiça simplesmente para assegurar seu direito à ganância! Maldita é a sociedade cujos cidadãos ainda não aprenderam que o direito de um começa quando termina o do outro!

Maldita é a nossa sociedade!

Sem compaixão, sem decência, sem solidariedade, que reclama do pobre porque este invade uma terra vazia, inabitada, inútil! É mais fácil mesmo ignorar o problema, deixar os pobres que se fodam, culpá-los pelos seus próprios problemas, transformá-los em criminosos, marginalizá-los. Sociedade maldita e hipócrita que tem a barriga cheia e reclama dos que têm a barriga vazia por quererem enchê-la! Se a lei não consegue garantir para essas pessoas nem sequer o básico (moradia, comida, educação, trabalho e cultura), então, que razão eles teriam para segui-la? Oras, quem é que não transgride a lei, seja com pirataria, seja avançando o sinal vermelho?

E que raios de lei é essa, que permite e, pior, apoia um evento tão imoral quanto este?

Um dos princípios básicos da ética é que todos são iguais perante ela. Mas não há igualdade alguma quando o direito à propriedade é garantido a um indivíduo enquanto o direito à moradia (que é, diga-se de passagem, muito mais essencial) não é garantido para outros seis mil. Dizem que ninguém está acima da lei. Oras, isso é uma falsidade, a ética está acima da lei. Se a lei é contra a ética, então os transgressores da lei não são criminosos! Criminosa é a própria lei! Criminoso é o Estado que não deu aos habitantes do Pinheirinho o básico para torná-los cidadãos! Criminosa é a prefeitura de São José dos Campos que não comprou o terreno em troca de parte das dívidas da Selecta para entregá-lo aos moradores! Criminosa é a justiça que não desapropriou o terreno pelo bem público e que não buscou um acordo justo entre a Selecta, a prefeitura e os moradores! Oras, justiça é só o seu nome! Criminoso é o Estado de São Paulo que expulsou-os de lá à força e com violência sem antes providenciar lugar para eles passarem a morar e os amontoou num ginásio feito mercadoria acumulada nos estoques de um supermercado! Criminosos são os agentes da lei que pensam que estão acima da ética!

Criminosos somos nós, sociedade maldita e desumana, que tratamos eles como cachorros e depois reclamamos quando levamos uma mordida!


Manifesto pela Denúncia do Caso Pinheirinho à Comissão Interamericana de Direitos Humanos

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