terça-feira, 31 de julho de 2012

A maldade inevitável da burguesia

As grandes empresas e os grandes bancos são apontados pelos socialistas como a origem dos maiores problemas da sociedade. Eles são controlados pela classe social denominada burguesia. Demonstrarei aqui, de forma lógica e precisa, que a burguesia é tende a tornar-se antiética com o tempo pela própria natureza da natureza competitiva do sistema capitalista.

Que fique claro que, com este texto, eu não pretendo incentivar a qualquer tipo de discriminação contra as pessoas mais ricas, até porque nem todas elas são más, muito menos incentivar qualquer tipo de violência. Em vez disso, quero apenas defender que um sistema que permita que a burguesia tenha um enorme poder político é muito prejudicial à sociedade.

O mercado é bastante conhecido por sua natureza competitiva. Se há competição, então existe a seleção dos indivíduos mais adaptados ao sistema (como acontece na Teoria de Darwin). Em outras palavras, os indivíduos que possuem os meios de produção são os indivíduos mais preparados a lucrar.

Qual a relação entre a adaptação ao sistema e a ética dos sujeitos envolvidos? Considere dois indivíduos: o primeiro é incapaz de trapacear e o segundo não tem peso algum na consciência, de forma que pode ou não trapacear, o que for mais conveniente para ele na ocasião. Qual deles tem maiores chances de sucesso?

A resposta é bastante simples: o segundo. De fato, se eventualmente aparecer uma oportunidade de negócio em que o dono da fábrica precise trapacear para fechá-lo, ou mesmo que ele possa obter um lucro maior trapaceando, então o segundo terá maior sucesso. É claro que, às vezes, trapacear pode ser desvantajoso para a empresa. Neste caso, os indivíduos selecionados serão aqueles que melhor sabem determinar se a trapaça vale a pena em cada situação. O fato é que os indivíduos mais honestos, que não se dispõem a trapacear, ficam para trás.

Não é à toa que as grandes empresas de softwares usam o (ridículo) sistema de patentes dos EUA para oprimir a concorrência, fazem acordos às ocultas com outras empresas, fornecem um péssimo e caro serviço de assistência técnica, mentem para os consumidores que reclamam...

Uma madeireira que não tem impedimentos éticos em extrair madeira de áreas de preservação ambiental terá maior chances de lucro (desde que tenha cuidado de não ser pega pela fiscalização) do que uma madeireira que decida seguir a lei.

Um empresa sem peso na consciência em explorar o trabalho de crianças para obtenção de lucro terá maior sucesso do que outra empresa que não explore crianças e que pague um salário no mínimo razoável pelo trabalho de cada empregado.

Os mais ricos talvez exaltariam a ganância, a perseguição dos próprios interesses, a trapaça, a mentira e até a transgressão da lei em troca do lucro?

O comportamento de um determinado indivíduo é dito ético quando ele se recusa a agir de determinadas maneiras. Por exemplo, quando ele não mata, não trapaceia, não rouba, etc. Ou seja, um indivíduo antiético não é impedido de agir de forma ética em uma determinada situação se isto lhe for vantajoso, mas, por outro lado, um indivíduo ético pode ser impedido de agir de forma antiética e, por isso, perder uma oportunidade de lucro. E, de fato, este impedimento ocorre, como nos exemplos sitados acima.

Assim, segue que o comportamento antiético é uma vantagem evolutiva neste sistema de competição. Portanto, as características que tendem a levar a um comportamento antiético são, aos poucos, selecionadas pelo sistema de competição capitalista. Ou seja, com o tempo, a burguesia (em especial a alta burguesia) tende a se tornar cada vez mais antiética a não ser que haja alguma força externa que os impeça deste tipo de comportamento.

Uma possível força externa seria o convívio em sociedade. Entretanto, sabemos que os mais ricos, em geral, vivem socialmente isolados do resto da população.

Vejamos se o que foi aqui exposto se verifica na realidade. O Iluminismo trouxe várias novas ideias à sociedade que são consideradas éticas (ao menos para os padrões atuais), entre as quais a liberdade e a igualdade. A Revolução Francesa, a primeira revolução burguesa, reproduziu estes ideias. Entretanto, o tempo passou e a burguesia mudou muito. A Revolução Industrial é bastante conhecida pelos grandes problemas sociais que gerou por causa da exploração, contradizendo a liberdade e a igualdade pregada inicialmente, causando a maior crise que ocorrera até então. A reação de então foi finalmente o início de várias restrições à liberdade da burguesia.

Aparentemente, a burguesia tornou-se antiética com o tempo.

Hoje em dia, vemos muitos acordos escusos entre empresários e políticos, mentiras, distorções e manipulações propagadas pela mídia. Vemos muitas formas utilizadas pelos poderosos de burlar as leis para assegurar seus interesses. Mesmo havendo cada vez mais leis na tentativa de evitar a libertinagem do sistema de competição, isso não parece ser o suficiente. Muitas vezes, a força política da classe dominante supera a vontade popular na aprovação de leis, como o Novo Código Florestal.
E as estatísticas mostram que, de fato, existe uma correlação entre riqueza e comportamento antiético.

Oras, se estamos, de fato, vivendo em um sistema faz com que a classe dominante seja cada vez mais antiética, o que poderemos fazer? Seremos forçados a combater politicamente esta tendência, criando cada vez mais leis que controlem as empresas enquanto elas descobrem cada vez mais formas de burlar, manipular e contorná-las nessa guerra de classes sem fim? Não seria possível virar este jogo?

terça-feira, 10 de julho de 2012

Democracia e a Anel

Assembleia Nacional da Anel, 17 de junho, Plenária Final.
Um minuto de silêncio pelos estudantes perseguidos e mortos.

Talvez a etapa mais importante na minha compreensão sobre o que é socialismo foi minha viagem à Assembleia Nacional da Anel. O processo de discussão de assuntos, pautas e propostas era ao mesmo tempo dinâmico, bem organizado e democrático. Mas o mais curioso de tudo é que não havia líderes: havia apenas uma comissão cujo papel era anotar cada decisão tomada e conduzir as discussões e a plenária. Neste caso, quem é que dava a palavra final?

O voto.

Na Plenária Final, que foi, sem dúvida, a parte mais impressionante de todo o evento, as propostas separadas em diversos temas eram mostradas por um projetor e lidas à plateia. "Algum destaque?", perguntava uma das moças sentadas a uma mesa sobre o palanque. Frequentemente alguém levantava a mão e dizia "Destaque!" e a ele ou ela era dada a permissão de explicar o problema à plateia em 30 segundos. Muitas vezes, consistia apenas numa alteração das palavras. Por exemplo, em vários pontos em que lia-se "estudantes", foi sugerido que fosse adicionado "funcionários e professores", para dar um caráter de união à greve, o que é indubitavelmente necessário. Após a alteração, a proposta era colocada em votação:
- Delegados favoráveis à proposta, por favor, ergam seus crachás. Contrários. Abstenções. A proposta foi aprovada por contraste.

Quando o destaque apresentado gerava uma polêmica, ao autor eram dados 2, 3 ou 4 minutos para defender a alteração ou remoção da proposta. O mesmo tempo era dado a um defensor da proposta original e a votação decidia qual delas seria mantida. Tudo acontecia muito rapidamente, quem piscou perdeu algum detalhe.

A votação mais surpreendente foi sobre a principal reivindicação da greve a ser levada ao Comando Nacional de Greve dos Estudantes. Haviam duas propostas, os delegados votaram a favor da primeira. Ao ver a segunda proposta ser negada, sua defensora dirigiu-se à mesa que estava sobre o palanque. Depois a mesa dirigiu-se à plateia:
- Ela está me explicando que, como esta é uma votação muito importante, os observadores devem votar. Observadores favoráveis à proposta, por favor, ergam seus crachás...

Neste momento, meu queixo estava no chão. Em vez de dizerem que isso não era permitido ou de defenderem-se com algum artigo ou parágrafo no estatuto da Anel, permitiram que a votação fosse feita. Não havia burocracia como vi acontecer na CP do prefeito Silvio Félix e (mais de uma vez) no Conselho Universitário da Unicamp. A vontade do povo, de fato, era superior a qualquer regra previamente estabelecida.

Ah! E eu que pensava que sabia o que era democracia!

Afinal, quem é que cria as regras? Não é a própria plenária, o próprio parlamento? Oras, se é o próprio parlamento que as cria, então ele também pode alterá-las sem, para isso, ter que passar pela burocracia por elas criada.

Como não havia nenhuma figura de liderança, todas as divergências eram resolvidas a partir da negociação e do voto dos delegados. As polêmicas muitas vezes eram difíceis de se entender, de forma que era necessário bastante concentração e reflexão - ao menos da minha parte. De fato, como as defesas só se limitavam a, no máximo, 4 minutos, o expoente não tinha a oportunidade de mastigar as informações. Por isso, era necessário que o ouvinte já tivesse conhecimento básico sobre o assunto. E quem não tinha, claro, não custava conversar e discutir brevemente com a pessoa ao lado, o que acontecia o tempo todo, a despeito dos pedidos de silêncio por parte da organização.

As resoluções tomadas por essa assembleia com respeito à greve foram levadas ao Comando Nacional de Greve dos Estudantes e foram aprovadas.

Aprendi muitas coisas com esta experiência. Passei a entender que política se aprende apenas na prática, não na teoria. Não adianta simplesmente estudar ou pesquisar: deve-se aprender a discutir e defender seu próprio ponto de vista. Apenas participando das próprias tomadas de decisão é que se aprende como e por que elas são feitas, quais as pressões políticas envolvidas, os prós e contras de cada opção.

Em segundo lugar, também descobri que tanto a própria forma de funcionamento deste evento como a estrutura política dos sindicatos são fortemente baseadas nas teorias sócio-econômicas marxistas. Em outras palavras, isso é socialismo na prática. Ao contrário do que muitos costumam pensar, socialismo não é simplesmente teórico em quase nada.

Ao contrário do que se pensa, socialismo não significa necessariamente ausência de diferenças sociais, de salários ou remuneração diferenciada. Afinal de contas, numa verdadeira democracia, tudo é discutível. E é isso o que socialismo, de fato, significa: democracia.


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Mais detalhes sobre o evento

Deixo aqui alguns exemplos para que saibam a que nível de detalhes as decisões eram tomadas.

Na sessão de abertura, houve discursos de várias pessoas, incluindo um bombeiro (uma vez que a Anel apoiou a greve de bombeiros e policiais do Rio de Janeiro), vários comandos locais de greve das universidades federais e estudantes de outros países.

Os participantes foram divididos (aleatoriamente ou por livre escolha) em grupos para realizar discussões sobre diversos temas (a Greve das Federais, o Rio+20 e a Cúpula dos Povos, machismo, racismo, homofobia, o Novo Código Florestal, a Usina de Belo Monte...)

As discussões ocorrem da mesma forma que nos sindicatos e no movimento estudantil: quem tivesse algo para expor se inscrevia e os inscritos iam sendo chamados um a um. As falas dos participantes eram limitadas a 3, 4 ou 5 minutos.

No grupo de discussão sobre racismo, um rapaz disse ser contraditório a Anel apoiar a greve de policiais e bombeiros, porque, resumindo, "as instituições militares fazem parte do aparato de repressão de Estado, reprimem os pobres e os negros". Aplaudiram. Em resposta, uma moça argumentou: "Contraditório? Contraditório são os policiais negarem-se a obedecer o Estado e fazer uma greve quando deveriam estar oprimindo a população!" Os aplausos foram mais fortes.

Durante as discussões, as propostas de ação política que eram apresentadas pelos participantes eram anotadas para serem votadas (depois de previamente selecionadas) na Plenária Final.

Numa proposta, se não me engano, sobre reivindicação de aumento de bolsa estudantil, solicitaram que fosse antes reivindicada a alteração de uma lei que impedia este aumento. A alteração foi aprovada.

Quando surgiu a proposta de fazer cartazes e faixas contrárias à UNE nas greves e nos atos, uma moça apresentou um destaque bem simples, que foi fortemente aplaudido: "Gente, não precisa disso." A votação foi contrária à proposta.

Sobre a principal reivindicação da greve. A primeira proposta defendia o destino de 10% do PIB à educação e elaboração de um Plano Nacional de Educação que, de fato, atenda às necessidades do país. A segunda, além dos 10%, reivindicava também a estatização de faculdades privadas, o fim do vestibular e vagas nas universidades para todos os estudantes.

A defensora da primeira proposta explicou que quem escolhe as reivindicações da greve são os grevistas e não a Anel. O papel desta deveria apenas ser dar sustentação a estas reivindicações e não criar reivindicações que estão longe da atual realidade. A defensora da segunda disse que deveria-se pensar também nas necessidades dos estudantes das universidades privadas. A votação, tanto dos delegados quanto dos observadores, foi em favor da primeira.

Outro exemplo do caráter da democracia do evento foi quando alguém defendeu que a Anel deveria mudar sua posição com respeito às greves dos militares. Esta decisão havia sido aprovada pela CSP-Conlutas, à qual a Anel é filiada. A polêmica surgida é se a Anel deveria manter esta posição ou se esta deveria ser colocada sob discussão e votação. Houve, então, as defesas dos dois lados e a votação decidiu que a decisão tomada pela CSP-Conlutas deveria ser mantida.

Ao final de todas as resoluções, a mesa apresentou o órgão executivo que teria o papel de colocá-las em prática. Não havia nenhum destaque a ser apresentado e a votação em favor deste órgão foi unânime. Seus mandatos são revogáveis a qualquer momento.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

"Loucos por ti, Corinthians!"

Não, caro leitor, esse não é mais um texto de mais um torcedor fanático do Corinthians comemorando o tão sofridamente título obtido por este nesta quarta. Não que eu não tenha comemorado ou ficado contente, pelo contrário, mas minha alegria não foi pelo título, mas pelos torcedores. Há muito vejo-os sendo caçoados especialmente por seu time sem estádio, com pouco apoio financeiro e poucos títulos. Isso quando não os chamam de bandidos ou mesmo de hipócritas. Sic.

Sim, a disputa da torcida é mais violenta que a dos próprios times!

Convenhamos, sejamos racionais, o fanatismo por um time de futebol não faz muito sentido. Um esporte faz sentido até o ponto em que é uma diversão, linha que há tempos foi ultrapassada. Isso, claro, sem falar em muitas outras características associadas a este esporte. Mas há uma coisa que faz ainda menos sentido do que tudo isso.

Imagine que você viajou para Gana. Alguns ganenses recém-conhecidos lhe convidam a assistir a um jogo deste país contra a Argélia. Nestas condições, o que lhe parece mais natural: torcer por Gana, por nenhum dos dois times ou pela Argélia? Você comemoraria os gols do adversário com a intenção de deixar os ganenses chateados? Talvez até provocá-los, deixá-los bravos?

E, quando Gana possivelmente ganhasse um torneio africano, você falaria para eles que Gana não tem tantos títulos quanto o time do seu país? Compararia números, vitórias, títulos, para que eles não comemorassem tanto a vitória que obtiveram?

É impressão minha ou somos naturalmente mais amigáveis com as pessoas mais distantes do que com aquelas que nos rodeiam? Não me impressiona que nossos líderes tenham tanta facilidade em dominar-nos, fazer-nos de gato e sapato, se criamos picuinhas até mesmo naquilo que não importa.

E quanto ao prefeito Kassab, que fez a sandice de proibir que a maior torcida do estado comemorasse a primeira vez que seu time obteve a taça da Libertadores na avenida Paulista? E de ainda por cima mandar a polícia para reprimir os desobedientes? Kassab, vá à merda! Infeliz, filho de chocadeira que não suporta ver a felicidade alheia, vá tomar no seu cu!

Fui para um bar assistir ao jogo com os amigos. O jogo não me interessava, mas, ainda assim, torci pelo Corinthians, gritei e pulei quando marcaram os gols. Emocionei-me em ver as aclamações pelo time amado, os gritos e os casos de rouquidão permanente. Ao final, alguns, sem acreditar no que viam, choravam de emoção. Era a comemoração deste bando de loucos. Loucos pelo Curintia.

Ao vê-los, pensei: o que seria deles se o time perdesse? Se tamanha foi a alegria, quão grande não seria a decepção? O que seria deste povo que, mesmo tão sofrido, mesmo com tanta pressão, não abriu mão de sua esperança? Que, mesmo sendo alvo de gozação e até preconceito, negou-se a perder sua identidade? Povo tão forte, mas, ao mesmo tempo, tão frágil!

Não dou a mínima para o Corinthians, mas eu morreria por essa torcida.
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